sexta-feira, 6 de junho de 2008

TEXTO ENTRE A CRUZ- SEU BELO

SEU BELO

Seu Belo era um senhor, bem velhinho, que ora prestava serviços a meu avô, a troco de uma pinguinha de erva doce e um punhadinho de açúcar. Minha mãe dizia que ele tinha sido rico, mas como a sua mãe o mimara demais, ele acabou ficando muito frágil, dependendo sempre das outras pessoas. Com isso, acabou perdendo toda a sua riqueza e família, terminando por trabalhar nas casas dos mais conhecidos. Por isso, que ele tinha aquela voz pequena e afônica.
Nunca soube até que ponto, aquela história era verídica, contudo, convivi parte da minha infância observando e admirando a figura de Seu Belo.
Não sabia o seu nome verdadeiro e nem porque, eles o chamavam assim. Muitos, quando queriam agradá-lo, o chamavam de Sula:
- Ô Sula, vem varrer os terreiros hoje pra mim, vem!
- Sula, vai pegar um camin d’água na fonte pra eu por no filtro, que te dou uma pinguinha!

Seu Belo, além de pegar água nos tanques, lascar lenha e fazer pequenos mandados, era especialista em varrer terreiros. Quando chegava a sexta-feira ele ia logo cedo procurar vassouras, no mato, para cumprir a sua tarefa.
Fugindo da regra geral, das varredeiras de terreiro, a sua vassoura não era curtinha e nem amarrada com pau de vassoura comum. Ele arrancava vários pés de malva, mais ou menos da mesma altura de uma vassoura normal, amarrava-os cuidadosamente, com muitas fitas coloridas e pronto! Era a vassoura mais conhecida da redondeza, sendo exclusividade sua.
Seu Belo varria os terreiros como se desenhassem na terra, pedaços de sua história. Ficava muito concentrado na sua tarefa, enquanto eu brincava por entre as folhas e pó que voavam em minha direção.
Ao final da tarde de sexta-feira, os terreiros, tanto os da frente, quanto o dos fundos de muitas casas vizinhas, estavam um brinco, como dizia minha avó:
“ - Seu Belo é muito caprichoso,” lembrava ela.
Mas as pessoas abusavam! Eram tantos os chamados, que às vezes, ele se irritava e esbravejava baixinho, uns xingamentos.
A sua imagem é inesquecível.
Ele tinha um rosto bem redondo, iluminado por olhos verdes e uma barba grisalha. Sempre andava com seu chapéu e sandálias de couro. Suas roupas de sertanejo tinham um tom marrom esverdeado, confundindo-o com a vegetação catingueira. Seu olhar era infantil e ele adorava crianças e bichos, principalmente, cachorros e gatos. O vi, várias vezes, brincando com o bichano que morava na casa de meus avós, ou dando comida aos cachorros que sempre o acompanhava.
Outra coisa que seu Belo adorava, era arroz pregado. Sabe quando o arroz está quase queimando e gruda no fundo da panela? Pois é, Seu Belo adorava o pregadinho do arroz, quase queimado, preferindo-o, ao invés do Arroz Marrecão, branquinho, solto e parborizado, que saia diretamente da venda de meu avô. Comer arroz Marrecão, por aquelas bandas, era motivo de status, sendo servido, somente em ocasiões especiais, pois o arroz costumeiro se comprava na cidade, em grandes sacos. Minha mãe, muitas vezes, atendeu o seu pedido, embora não entendesse porque, ele tinha aquele gosto tão peculiar.

Nas horas vagas, Seu Belo remexia os monturos em busca de enfeites para o seu cajado. Ele andava pelos cantos com um cajado grande, ora feito de madeira, ora de ferro, ora de cipó. Toda vez que ele aparecia na casa de minha madrinha, que é minha vó, seu cajado estava cada vez mais garboso, cheio de tampinhas coloridas, bolinhas amarradas, laços, brilhos e uma variedade de enfeites, que não sei onde, ele encontrava tantos. Alguns meninos, quando queriam pirraçá-lo, escondiam o seu cajado só para vê-lo ficar bravo. Ele então, tirava o seu facão da bainha e começava a enrabar os meninos pirracentos. Se uma facãozada daquelas pegasse no pé do pescoço de um...

Descaracteriza-se de S. Belo e diz o texto como ator.

Realmente, Seu Belo era um sábio! Tinha a doçura de uma criança feliz e a altivez de um rei, que imponente com o seu cajado mágico, seguia pelas estradas da Fazenda Manga Velha, imprimido respeito, alegria e magia aos moradores e visitantes daquela comunidade etérea, que se perdeu com o tempo.

Um comentário:

O Sibarita disse...

ô Marcelo, o seu Belo era a alegria do lugar, a criançada que o diga né? kkk Vocês aprontaram muito com ele, foi ou não foi? kkkkk

Realmente, existiam pessoas assim de total confiança e trabalhadora. E o melhor de tudo a sabedoria estava ali mesmo.

Tô gostando do texto... Parabéns!

abraços
O Sibarita