terça-feira, 28 de abril de 2015

A ARTE DO TEATRO (E DO CINEMA) É DO ATOR, PRONTO FALEI!!

A ARTE DO TEATRO (E DO CINEMA) É DO ATOR, PRONTO FALEI!!!
Cine em Cena- Um sopro de Osíris na Terra do Sol midiática


Assisti neste final de semana ao Projeto Cine em Cena, fruto da disciplina Direção de Arte 2: Direção de Atores no curso de Bacharelado em Cinema e Audiovisual do VI Semestre da UESB/ Conquista, sob a orientação da Professora Adriana Amorim. O projeto consiste, entre outras coisas, em um aluno dirigir uma cena teatral com atores, para num próximo momento, transforma-la num roteiro audiovisual.  Uma deliciosa e não menos trabalhosa aventura pelo mundo da imagem, dos signos, do teatro e da atuação. Como o cerne da questão é o trabalho de direção e ator me senti bastante à vontade para comentar e compartilhar.

Quando pensamos em cinema, direção de atores, dramaturgia, roteiro, estamos falando de uma área bastante próxima do teatro. Na Escola de Teatro lembro das aulas memoráveis de Dramaturgia da querida mestra Cleise Mendes vasculhando todos os Doc Comparatos possíveis e nos ensinado, definitivamente, sobre o óbvio na escrita e criação dramatúrgica, sem falar no trabalho de ator, nos elementos do teatro e toda sua história espalhada em muitas disciplinas fundamentais e importantes durante o curso. A área artística e teatral é imensa com um fluxograma grande e importante, o que mostra o quão sério é pisar num palco ou mostrar seu carão numa imagem na tela.

O Projeto Cine em Cena aconteceu neste final de semana no Teatro Carlos Jeovah, um teatrinho repleto de memórias para este sátiro dionisíaco ou para os mais velhos cênicos da terra das rosas. Toda vez que volto a um teatro que atuei, em instantes o véu da memória se cai, trazendo à tona todo um momento vivido e revivido nos nossos extratos e afetos.

Adriana Amorim e seu elenco no Cine em Cena- Foto de Rayza Lélis
A Programação da mostra foi dividida entre o Teatro Carlos Jeovah, na quinta e sexta feira, (23 e 24/04) e no Teatro Glauber Rocha, na Uesb, na terça-feira e quarta-feira, (28 e 29/04). O desafio era encenar ou adaptar clássicos da literatura teatral, o que não é uma tarefa fácil para profissionais, tampouco para estudantes em formação.

Entre toda a programação, o que ficou nítido e claro, neste experimento cênico, é que os trabalhos mais bem-sucedidos, a meu ver, foram, indiscutivelmente, os feitos por atores e diretores inspirados e técnicos! Atores inspirados e técnicos são aqueles experienciados pelos anos de janela ou que nascem de uma paixão inexplicável pela arte da desmedida e do metro. Atuar, estar em cena é ligar muito mais que seus pontos de ouro e closes, é se jogar com uma presença/verdade que nem a tela consegue camuflar,  é estar vivo e inteiro sem cortes ou interrupção, ou se é ou não!

No primeiro dia, na quinta-feira, foram nove cenas apresentadas entre textos teatrais clássicos como Hamlet, Esperando Godot, Valsa nº 6, Um Bonde Chamado Desejo, Auto da Compadecida. Nessa encenação ficou evidente, em algumas cenas, um tom demasiadamente verborrágico, os diretores focaram sua atenção num teatro com força na palavra, bem textocentrista, o que exigiria de seus interpretes um maior cuidado com a articulação dos textos tão consagrados e inesquecíveis, que precisam ser bem-ditos e entendidos por todos. Houve um excesso de teatro declamatório, sem marcas e movimentação específicas para os atores em cena, o que prejudicou o trabalho de alguns interpretes.

Outro dado foi uma opção realista- naturalista para algumas cenas, o que limitou ou expôs as partes fracas de cada uma. Se optamos por esta convenção a interpretação e movimentação dos atores, os detalhes de cenário, figurino, maquiagem devem ser impecáveis, pois não dá ver uma Blanche vestida de época e seu partner com calça jeans e camiseta... Ou então, adereços para a cena ou objetos muitas vezes mal utilizados e sem razão, como uma espadinha, ou adaga na mão do Hamlet, a uma garrafa que quebrava e derramava, sujando a cena.

É claro e notório que nem todos participantes eram atores com experiência, o grupo era formado de não atores também, mas não se trata disso, quando um diretor faz um roteiro deve trabalhar com o que tem e transformar toda e qualquer dificuldade a seu favor, o que exemplifica a atuação do dia seguinte de uma cena de Senhora dos Afogados. É comum tanto no teatro, quanto no cinema, o trabalho com não-atores com resultados surpreendentes!

Assim, a CENA: Por que existem tantos olhos no mundo?  Da OBRA ORIGINAL: Valsa nº 6, de Nelson Rodrigues, dirigida e adaptada por Rafael Oliveira e com atuação da multifacetada Érica Daniela, foi o grande destaque da noite!  Erica estava inspirada e como uma verdadeira atriz soube valorizar um bom texto! O diretor desenhou uma movimentação e elementos de cena que possibilitaram a atriz explorar este universo tripartido desse personagem tão instigante que é Sonia.

A partir daí as cenas se desenvolveram de forma normal.

Algo que me incomodou muito, em se tratando de um projeto de formação, de plateia ou alunos, foi um ar meio de festa de fim de ano de escola. Ali, ao me ver, (sou muito chato nesse sentido, assumo) é um exercício cênico, com uma plateia aberta, não um espetáculo para convidados, mas o público animado e cheio de colegas ou amigos transbordou em excesso nas palmas e gritos, o que realmente se tornou desnecessário, sobretudo, para um teatro tão pequeno e intimista.

Outra coisa chata também foi que a porta do teatro, a de entrada do palco, ficou aberta, então, a todo momento pessoas iam ao banheiro, acendiam a luz que entrava no palco atrapalhando a cena e a concentração dos atores e plateia. É claro que esses detalhes são pequenos, mas na nossa profissão um detalhe pode ser tudo ou nada, ainda mais no reino da imagem, do signo, do som e de cenas que tudo pode significar.

Fora isso, e para um chato teatral de galochas como eu, tudo lindo! E vamos para sexta-feira!

Na sexta foram 12 cenas. Dentre os textos Romeu e Julieta, Escola de Mulheres, Senhora dos Afogados, Entre quatro paredes, O Santo Inquérito, entre outros. Só “porradão” para usar uma linguagem bem peculiar a esta galera!

A presença marcante do coro  em "Édipo Gay". Foto de Maria Andreia Santos
Nesse dia havia mais cenas e os mesmos problemas da quinta se repetiram e/ou aumentaram, até porque as últimas cenas e adaptações de Édipo Rei foram voltadas para um humor fácil com camuflagem LGBTTIS e que fez muita gente rir. Do ponto de vista dramatúrgico foi uma ótima e inovada investida! Acho fabuloso colocarmos toda a criatividade, engajamento e coragem para tocarmos em temas necessários, seja de diversidade, gênero, credo, etnia para gerar uma discussão, porém, algumas abordagens necessitam maior arcabouço. Não é só subir num salto e fazer gírias: A LOKA, ADOOOGO, TA BOA, que transformam um ator num personagem caricato, gay ou midiático. Toda atuação deve ser verdadeira e com o máximo de sinceridade possível, com verdade ou verossimilhança, se bem que para uma atuação queer estes conceitos podem se transformar em outros bem mais adequados. Assim, não consegui me diverti ou rir com uma caricatura mal executada de um personagem gay ou de um ator transformista montado, aliás, os atores transformistas dão um banho em qualquer ator de academia realista, pois se apoderam do seu discurso arte/vida e não de uma encenação apenas.

Dicesar, cavalo de Dimmy Kieer, com seu bordão característico que virou  a marca Adooogo Make Up

Não é fácil representar, seja outro sexo, outra identidade, outra idade ou personagens estereotipados ou arquétipos! Exige muito trabalho, pesquisa, ensaios para não cair num clichê previsível. Acho oportuno poder comentar isso num projeto de experimentações (cênicas) onde o errar e acertar é justamente o motivo para tal exercício dos envolvidos, afinal a arte, o vídeo, a dança, o teatro são produtos a serem consumidos, vivenciados e discutidos. Aí já é outra discussão...

Das adaptações de Édipo Rei, feitas na sexta-feira, a mais próxima de um trabalho cênico e de direção foi a CENA: Um bom Enigma, com DIREÇÃO e ADAPTAÇÃO de Álvaro Meneses e que no ELENCO estavam Cleber Meira, Joadson Mulkannizzer e Yarle Ramalho, com atuações, time e sacadas boas. (A maquiagem e figurino podem melhorar, né bee!) A última cena intitulada Édipo Gay também foi bem desenhada com destaque para a atuação de um coro feminino, que roubou a cena, fora os excessos já comentados.

Cena: Um bom Enigma de Álvaro Meneses. Foto de Maria Andreia Santos
Aliás, a mostra foi definitivamente das mulheres, Érica Daniela, Monica Medina, Hannah Abnner, Izis Mueller ( que texto era aquele?!) Patrícia Chaves, Maria Andreia, disseram a que veio, salvo, a cena do Auto da Compadecida, composta só por dois intérpretes masculinos, que convenceu! Destaque também para a composição do figurino complementar dos Jecas, e tabela de cores usada. Aliás, o cuidado de algumas cenas com o figurino, caracterização e ambientação foi notório para tentar contextualizar cada abordagem escolhida. Só não pode é deixar de iluminar o rosto do ator ou da Julieta esquecida no balcão.
 - Mas não tinha holofotes que chegassem lá, Benigno, não tinha equipe e gente para ajudar na produção, não tinha, não tinha... - podem justificar. Mas alguém usou brilhantemente um castiçal com velas numa cena que foi super funcional e iluminaria a face da Capuleto apaixonada. Aliás, minha gente, a arte do teatro é a arte do não tinha mesmo, então, temos que pensar e resolver tudo mesmo! Ai Iami Rebouças eu também só queria ser atriz e acabou! Produção é coisa do cão!!! 

Ah, antes que eu me esqueça, não posso deixar de mencionar os diretores que usaram o recurso da música ao vivo, em cena. De um lado entrar em cena com um instrumento musical e só usá-lo num único momento é pouco, acho que o recurso musical poderia ser mais explorado e incorporado na dramaturgia, tanto para a cena de Valsa Nº 6, dirigida por Rafael Oliveira; quanto a poética e despretensiosa cena dirigida por Ana Julia Ribas. Duas cenas bem distintas causadoras de sensações diferentes! Os macaubenses Ana Julia e Rafael Oliveira criaram e criarão poéticas imagens ainda por vir, talvez o segredo esteja escondido nas memórias de Macaúbas, do sertão da poesia que nunca seca! Tá explicado! Aguardem!

Poesia brejeira na cena: Mal, me dissestes de tu meu bem! de Ana Júlia Ribas. Foto de Maria Andreia Santos
Agora o maior prazer da noite, para mim, foi ver um texto forte como Senhora dos Afogados na atuação precisa e emocionante da querida Monica Medina e da doce Hannah Abnner. Hannah fez com que voltasse o tempo e assistisse, ali na minha frente, a uma Adriana Amorim encenando Plínio Marcos na Escola Macunaíma em São Paulo. Profunda catarse! Aí vocês podem falar e me questionar: Por que tanta força e presença numa menina que não é dita ou declarada atriz?! Então...

Medina deu a força, contratempo e textura a cena e como é lindo ver uma artista consciente e bela atuando e jogando com uma atriz jovem! Para mim foi um presente ver esta cena por tudo que ela simboliza para a história do teatro brasileiro e para a história do teatro conquistense, feita de uma forma tão particular e nesse momento. Parabéns as intérpretes e ao diretor Deoveki Silva! Emoção!

Como expectadores e atuadores devemos primar para que a nossa arte não se perca só no produto mercadológico. O ritual deve ser presente e renovado sempre, a experiência e a relação entre cada parte do processo valorizada, para que a troca seja prazerosa, afetuosa e transcendental. Se perdemos isso, perderemos a essência da arte ao meu ver, aí podemos fazer outra coisa, outra profissão que não exija tanto a minúcia nos detalhes, a pesquisa eterna, a poesia e o afeto nas relações. E existe alguma profissão que não o tenha?!

Monica Medina e Hannah Abnner em Senhora dos Afogados. Sem comentários! Foto de  Maria Andreia Santos
Sou de uma geração de profissionais da cena que não pesquisava no google e nem na internet, mas no suor do palco e da rua, da pesquisa constante, do respeito pelo público e pela mensagem que levamos!

Ser profissional das artes da cena ou do audiovisual hoje virou moda e todo mundo é ator, performer, cineasta.... E nessa cidade do interior catingueira e desvalida nos cabe uma moira maior, uma vocação política mais forte que o glamour da cena ou da notícia midiática, para brigar por um profissionalismo e políticas culturais, para que a arte assuma um caráter mais presente e necessário na vida das pessoas dessa região ou de qualquer lugar!

Acho este projeto promissor e num momento que Conquista vive uma eterna crise na área cultural, sem políticas públicas, espaços e condições para seus artistas cênicos trabalharem com dignidade sem a necessidade de evadirem para as grandes capitais. Projetos similares de pesquisa e experimentação artística já movimentaram a região por aqui, como o Dionísias Urbanas, do Grupo Caçuá de Teatro, o Assim se Improvisa do Pafatac e Chefinho Santos, a Roda do Teatro na Praça, entre outros. O curso de cinema tem muito a contribuir e valorizar a matéria prima que é o ator, pois num mercado onde a imagem quer ser tudo, não necessariamente o ator, para alguns, será a melhor opção, podendo ser substituído por uma animação computadorizada, desenhos, bonecos, sombras, objetos...

Acervo Caçuá de Teatro no blog do MOVAI.  Disponível em:[http://movimentomovai.blogspot.com.br/2011/03/ano-2002.html]
Em São Paulo está uma febre de cursos de Cinema e uma busca frenética por atores para a conclusão de disciplinas ou tccs dos alunos. Existe um grupo de atores numa rede social que diretores desesperados vem constantemente procurar e selecionar atores para suas produções e trabalhos audiovisuais. Os anúncios são engraçados e revelam o quanto tais diretores e “mídia audiovisual produtiva” valorizam os atores, pois com verba para a locação de equipamentos e produção, esquecem a verba para os seus atores e que sem eles, seus projetos não serão concluídos. Por que não vão fazer filme de animação se não valorizam os atores?! Cada uma! Vai fazer uma Oficina no Studio da Fatima Toledo para ver o quanto é e o que é bom!

Sou apaixonado por cinema e pelo trabalho de direção e atuação junto a sétima e quinta arte, costuma- se falar que no teatro a arte é do ator, e que no cinema, do diretor, mas discordo e concordo com o que o meu saudoso e querido Plínio Marcos, com quem tive a honra de trabalhar, disse num dos seus textos destinados aos atores: " Eu amo os atores que sabem que no palco cada palavra e cada gesto são efêmeros e que nada registra nem documenta sua grandeza. Amo os atores e por eles amo o teatro e sei que é por eles que o teatro é eterno e que jamais será superado por qualquer arte que tenha que se valer da técnica mecânica."

Meu Evoé e respeito a Adriana Amorim, parceira de tantas histórias e encontros, e, que sem dúvidas, foi uma chegada festejada e necessária ao curso de Cinema da Uesb; a Cristiano Martins, eterno resistente e a toda equipe desse projeto, principalmente aos ATORES e ATRIZES que emprestaram seu corpo, trabalho e alma para essas criações! 

Vida longa pela frente! Que o cinema aproxime a arte dos nossos corações, com atores insubstituíveis e fundamentais nessa caatinga conquistense! Que a pesquisa e o aprimoramento sejam constantes no nosso trabalho, não se perdendo do encontro e da relação com o outro, que seguidos pelo afeto, pelo respeito e a gentileza tudo se constrói!

Merda e axé para nós, sempre!

mb

Cena do Filme Central do Brasil de Walter Salles.