domingo, 24 de agosto de 2014

GLAUBERIANDO A ODISSEIA DE CACILDA! Para Dani Rosa e Massumi


GLAUBERIANDO A ODISSEIA DE CACILDA!

Teatro Oficina, Vitória da Conquista, memórias e arte 
que valem a pena religar e compartilhar #!
Para Dani Rosa e Massumi

Material de Divulgação- Página  Virtual do Oficina
Tive o prazer de acompanhar a Odisseia de Cacilda Becker, encenada neste ano, pelo Teatro Oficina em São Paulo. Agora na reta final com Cacilda !!!!! (cinco exclamações) - A Rainha Decapitada, mais uma surpresa: todos os mares levam ao Oficina e mais uma rosa de Conquista abarcou para encher de poesia e sons os palcos sagrados de Zé Celso. 
Falo agora de Felipe Massumi, artista da nova geração conquistense que voa nos teatros de Sampa. 

Felipe Massumi- Foto acervo pessoal
Graças a Dionísio, ele fora iniciado no teatro conquistense no processo do espetáculo popular: Uma Andorinha só não faz.... Uma adaptação, catingueira e sertaneja do Grupo Caçuá de Teatro para o texto: O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá de Jorge Amado. 

Material de Divulgação do Espetáculo. Caçuá 2007
Neste trabalho, que ganhou um edital na Bahia para montagens de pequeno porte, (não entendi até hoje este termo, e tem montagem de porte menor e maior?!)  Felipe Massumi, ou Mastrume, além de tocar, atuou e participou da composição musical, criando junto conosco, a música tema para este espetáculo que circulou palcos e ruas no interior e na capital baiana.

Massumi agora faz companhia a outra joia do sertão baiano, a atriz conquistense Daniele Rosa, já conhecida dos paulistanos, e que também, já comungou com o Caçuá nas terras mongoiós. 

   Auto da Conquista- 2000- Vitória da Conquista-BA
Grupo de Teatro da Uesb / Grupo Caçuá de Teatro

Dani Rosa e suas facetas em Cacilda!!!!! A Rainha Decapitada.
Fotos Eduardo Oliva
Ambos artistas sertanejos e nordestinos estão inteiros nessa temporada do Oficina, e assim como reflete a Odisseia de Cacilda, compõe um retrato da historia do teatro do nosso país.

Nesse trabalho, o que mais me impressionou foi ver o quanto o xamânico e incansável Zé Celso Martinez consegue transpor para a cena tantos elementos e discussões que nos tocam e são pertinentes até hoje.

A cuidadosa produção dessa labuta fica clara logo no inicio, desde a composição e zelo com figurino, a vários elementos da cena dessa odisseia, que dramaturgicamente se renovam a cada encenação ou se fazem presentes das mais variadas formas, como por exemplo, a presença do cavalo animal, que sempre aparece nas encenações de Cacilda e no Zé. Dessa vez o resultado equino, além de estético e funcional impressiona numa bonita composição cenográfica, sem mencionar outros recursos poéticos que balançam pelas nossas cabeças, embalando-nos nessa viagem! Me prolongaria neste texto só falando dessa dramaturgia do Oficina sem cansar, mas nesse canto do bode não dá só para falar, tem que se viver e comungar desse teatro-vida que Zé Celso propõe.

Material de Divulgação- Página  Virtual do Oficina

É notório a influência do cinema nesta encenação, salve Glauber, Dani e Massumi, a perceber, logo de imediato, pela tabela de cores, na luz e no figurino. Nada é posto por acaso! As imagens são um desbunde para cineasta nenhum botar defeito, desde o recurso da tela transparente com sombras Salvadordaliences, à entradas e saídas de cenas fabulosas e simples, como a troca da personagem de Cacilda entre as atrizes Sylvia Prado e Camila Mota, num jogo-cordão-umbigo com uma fita vermelha; ao véu cauda negra engolido pelo subterrâneo de Perséfone, sem esquecer da gran entrada da Dama das Camélias.  UAU!!! Meu Deus!!!

Outro momento marcante, e sem duvida, emocionante, é o fim do primeiro ato que imediatamente me trouxe outra memória.

Em 1997-1998 participei das oficinas e montagem do trabalho: O ASSASSINATO DO ANÃO DO CARALHO GRANDE, texto do saudoso Plínio Marcos, dirigido pelo querido Marco Antônio Rodrigues, num projeto da Oficina Cultural Oswald de Andrade.  

Material de Divulgação- Acervo pessoal
Esse trabalho percorreu festivais de teatro e cidades do interior em SP, ganhando vários prêmios, incluindo o Premio Mambembe de Melhor Espetáculo e Direção em 97, coincidentemente, Zé Celso estava em cartaz também e ganhou o Mambembe de Melhor ator pelo espetáculo “Ela”. O Anão mudou definitivamente a minha trajetória como trabalhador das artes da cena e minhas loucuras pelo teatro e ainda é muito especial para muita gente! Em pleno século XX o Anão fora censurado, e justamente na cidade de Plínio, em Santos, quando iriamos apresentar. Imagine toda a história de Plinio Marcos e ainda em 98 sendo censurado na sua própria cidade! Diante do impasse, conseguimos apresentar o trabalho no Teatro Municipal de Santos!

Eram trinta e seis atores em cena contando a história da cidade e do circo Atlas numa farsa musical cheia de cor e formas, com banda ao vivo, globo da morte, trapézio e um caixão de madeira mega pesado que eu carregava   em cena junto aos colegas atores- nunca vou esquecer!  Nesse dia ao fim do primeiro ato, assim como o primeiro de ato de Cacilda, ouviam-se os gritos da plateia de Bravo, Bravíssimo!! Foi inesquecível! No Anão eram eu e a atriz Rose Bispo os únicos baianos na trupe, e muitas idas e voltas para Conquista semanalmente num buzú para apresentar em SP.  Oh, Tempo bom! Quanta coragem, Benigno!

O Assassinato do Anão. Foto do acervo pessoal
Em Cacilda!!!!! naquele final de ato apoteótico pude me conectar imediatamente a este episódio e lembrar que a nossa historia fica gravada nos nossos extratos e vida muito mais que em livros, teses ou dissertações acadêmicas. Aliás, esta empreitada do Zé deveria ser vista por todos os estudantes acadêmicos de teatro do nosso país, pois onde se fala e cita muito, falta alma, calos, entrega e organicidade.

O trabalho do Oficina, que come antropofagicamente toda a tecnologia moderna é, sobretudo, um trabalho de ator. Esse estado de atuação que o Zé propõe, um estado de energia presente de corpo, da voz e da alma do cavalo, menos interpretativo, textocentrista ou declamatório, se faz forte, festivo e dramático como vê nesta odisseia cacildica, como eles dizem. A atuação trágica de Sylvia Prado como Cacilda Antígona é estarrecedora e coloca a plateia a indagar e congelar em êxtase brechtiano.  Oxe, e em Brecht tem êxtase?! Pra você ver....

Antígona é para mim um dos textos mais fortes e Zé, numa adaptação e criação moderna, faz da nossa mártir grega uma voz aos holocaustos contemporâneos, das vozes das mulheres antígones do nosso tempo. Indescritível!

   Joana Medeiros (Tônia Carrero) e Camila Mota (Cacilda Becker)
em Cacilda!!!!! A Rainha Decapitada

Foto Cícero Bezerra. Página Virtual do Oficina
Nesse trabalho o elenco continua forte, sobretudo com a presença irretocável da atriz carioca convidada Joana Medeiros que faz a Tônia Carreiro, numa performance totalmente entregue, além de algumas caras novas que se aventuram na eira de ser um ator do Oficina, o que não é nada fácil e nem para qualquer ator!

Danielle Rosa, sem dúvida, é a revelação do Oficina nos últimos tempos! (Matéria no Portal R7 Danielle-rosa-o-furacao-sereno-do-teatro-oficina/),

Em todos os trabalhos, desde que estreou ( me desculpe se errar as datas) com Macumba Antropófaga, 2011-2012; Acordes, 2012-2013 e até Bacantes, 2012 na Bélgica e em Portugal, batizaram literalmente esta baiana no terreiro do Bixiga. É impossível tirar o olho dela em cena, pois incorpora este estado de encenação- interpretação do Oficina e sempre está plena, em tudo! O Oficina ganha uma atriz formada pela academia, mas calejada pelo trabalho de teatro de grupo no interior baiano! Na Odisseia de Cacilda impossível não citar sua aparição como sereia do TBC (Cacilda!!! Glória no TBC y 68 AquiAgora) e “Entre quatro paredes” (Cacilda!!!! A Fábrica de Cinema & Teatro) numa sequência de cena porradão de um teatro puro e bem feito num triângulo com Sylvia Prado e Glauber Amaral.

Dani Rosa em Cacilda!!! foto de Jennifer Glass e em Cacilda !!!!! foto de Diogo Souza

Agora em Cacilda!!!!! A Rainha Decapitada, Rosa continua solar e na pele de uma mãe consegue dar a carga exata, sem perder sua beleza e intensidade. Tony Reis, outro baiano querido e camaleônico, mostra suas facetas escrachadas e sérias com a mesma facilidade que troca de peruca ou aplique.


 Foto de Eduardo Oliva- créditos: @duoliva
Outro aspecto relevante, sobretudo para aqueles que pleiteiam seguir carreira no teatro, é perceber toda a coesão do trabalho de grupo do Oficina, que permite dar espaço para o outro em cada e/ou novo espetáculo.  Trabalho constante e difícil ao ego dos atores que estão acostumados a significar a cena apenas com bifes de textos. Na didática dramatúrgica do Zé, não há estrelas no Oficina, há focos e espaços para todos os dilatados e iluminados cavalos nesta arena transcendental, e seu metro, técnica e disciplina é cada um quem faz e zela, num ato-oração diário do hyporrites que sabe e conhece as facetas políticas e artísticas do seu ofício, além da ribalta e do foco.

Não poderia deixar de falar da trilha sonora, que nesse trabalho foi marcante. Cenas inteiras solfejadas numa música quase atonal entre o thelo de Massumi; a percussão inspirada de Carina Iglecias- que voz e beleza, menina; o piano acalentador de Guilano Ferrari, sem esquecer do Dj Jean Carlos e o cavaquinho da também atriz e cantora Letícia Coura. Desbunde surrealista mais uma vez! Viagem, catarse e reflexão.

Sylvia Prado em Cacilda!!!!!  Massumi e seu tchelo ao fundo
Foto da página virtual do Teatro Oficina
E por falar e catarse e reflexão, a cena de Antígona Cacilda e seu desfecho é o ápice desta encenação.

Em tempos contemporâneos onde o fazer teatral é cada vez mais desvalorizado e equivocado, o Teatro Oficina mantem a chave de produção acionada a mil, encenando e criando três trabalhos epopeicos até agora, no meio do ano, o que só pode ser um milagre frente a inúmeras dificuldades que enfrentamos. 
Num país onde ser artista é moda, celebridade ou motivo torpe para o ócio ou a nenhum trabalho de qualidade, a odisseia de Cacilda vem mostrar nesse século louco e midiático, a importância das memórias vivas, de conhecermos a nossa história e as contribuições daqueles, que de fato, fizeram algo pela arte e teatro no nosso país. 
Aliás, nosso país não é só São Paulo e Rio de Janeiro, como querem nos enfiar goela abaixo, é Nordeste, é Bahia, é Rio Grande do Sul; é o Imbuaça, é o Galpão, é a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, é Clowns de Shakespeare, é o Caçuá... todos reflexos teatrais espalhados pelo Brasil, e que em maior ou menor instancia, contribuem para a historia desse nosso teatro brasileiro, multicultural e miscigenado.

Material de Divulgação- Temporada Entre a Cruz... na Bahia´
Premio Jurema Pena- acervo Caçuá de Teatro
Um amigo artista perguntou-me, semana passada, pelas redes sociais, o que era arte libertária para mim, sem pensar e pestanejar respondi-postei: é a Odisseia sobre Cacilda Becker no Teatro Oficina em São Paulo, sem dúvidas! E acrescentaria : por tudo que representa para o teatro brasileiro de ontem, hoje e sempre.

Espero ainda como sátiro catingueiro perdido-achado nesta terra Sampã poder ainda comungar do banquete que o Oficina e o Zé propõem para religar as minhas origens teatrais e renascer nesse palco sagrado cibernético.

É urgente que todos vejam este trabalho que fica em cartaz, até setembro, aos sábados e domingos, ás 19h e conferir aos olhos vivos como ele comunga com todas as gerações e idades, dentro e fora da caixa, na festa e no ritual, no drama e na hashtag da mídia on line, mostrando a força de uma arte que só se faz viva e presente no corpo, na alma, no sangue E NA MEMÓRIA de quem está e quer ficar vivo-  nesse ano já foram tantos embora... 
Trazer a história para a cena e para esta nova geração conhecer o que foi feito é um compromisso enorme, pois em terra de beijinho no ombro, google e celebridades oportunistas e burras, quem fez e ainda faz história é rei e rainha, e nunca serão decapitados!

Ter o prazer de compartilhar e religar com obras e trabalhos como este, faz-se necessário para a vida, como elixir para o nosso tempo caduco, egoísta, capital e cabedal.

Bravo, bravíssimo!!!!!
Evoé e merda sempre, Oficina!
Evoé Dani Rosa, Massumi, Tony Reis, Beto Mettig, baianos conterrâneos!
Saravá e Laroyê, Zé Celso!!!

Andemos!!

Marcelo Benigno, agosto de 2014, mês de aniversário do Caçuá!

    Opo Baba N’lawa, replica da escultura de Mestre Didi 
no Rio Vermelho em Salvador-BA
Foto: M.A.Luz  

Eu e o inseparável amigo Victor Gally, em Cacilda!!!- Novembro de 2013.


sexta-feira, 22 de agosto de 2014

VOCÊ TEM FOME DE QUÊ?!

Você tem fome de quê?
Ensaio Gastronômico social em dois atos
Por Marcelo Benigno*


Quando era pequeno, o que mais me estimulava a ir para a escola era a culinária de minha mãe. Ao sair do colégio, quase ao meio dia, com a barriga roncando, eu ficava imaginado que prato ela iria preparar para o almoço. Cada dia era uma surpresa diferente: cortado de abóbora com quiabo, arroz com açafrão, feijão verde temperado com coentro e cominho, salada de alface fresquinha, colhida ali na hora... Hum!

Não éramos ricos e nossa comida era simples, porém feita com muito amor e respeito, ingredientes fundamentais a qualquer refeição e atividade na vida, além, é claro, do carinho, segredos, temperos e alquimia da minha mãe, que condicionavam o sabor e a alegria de cada refeição.


Hoje, moro numa das Residências Universitárias da UFBA, em Salvador. Meus vizinhos mais próximos são seis ratazanas noturnas e várias baratas ninjas voadoras, que insistem em frequentar meu quarto, mesmo após o velório de duas de suas amigas, ontem à noite, perto da minha cama.

Aqui, a comida não é motivo para estímulo, muito pelo contrário. 

Estou com uma enxaqueca horrível devido ao jantar de hoje que “não bateu legal.”

De um tempo para cá, a qualidade total, como dizem por aí, caiu vertiginosamente aqui na residência. Recentemente, o Restaurante Universitário, sediado aqui na Residência Um (R1), no Corredor da Vitória, em Salvador, foi fechado para reparos, devido aos estragos das chuvas. 

Desde então, as refeições são feitas em cada residência, (que são três), proporcionando uma desorganização total, para residentes e funcionários.

E ninguém reclama do feijão cru do almoço ou da carne “verde” servida nesta semana! Num país onde uma maioria passa fome questionar a alimentação é algo intolerável, quase uma blasfêmia! E olha que somos cobertos por vários profissionais especializados que garantem a qualidade, cardápio e seleção da nossa alimentação fresquinha e nutritiva, diariamente!


Sem mencionar que somos constantemente cobrados por nossos rendimentos acadêmicos com uma alimentação que não nos estimula ou nutre suficientemente. Não vou entrar no mérito dessa questão, pois alimentação sadia e bem feita, (observe que não estou falando alimentação cara, sofisticada ou coisa parecida) é fundamental para o funcionamento e desenvolvimento das atividades físicas e mentais de cada um.

Muitos dos residentes, assim como eu, estudam o dia inteiro, num corre-corre diário. Alguns, devido às matérias obrigatórias de seus cursos, têm atividades físicas “puxadas”, que exigem pré-disposição e resistência, mas como?

Não sou desses que questionam por nada ou por causas obsoletas!
O problema é que se ninguém reclama, é porque não está incomodando!
Correto?!

Onde estão os futuros sociólogos, psicólogos, médicos, nutricionistas, pedagogos, advogados, artistas e afins dessa casa?! 

Por que ninguém deixa de comer a sopa mal feita, que parece mais uma lavagem para porcos?! Será que eu que sou fresco demais ou ninguém percebe isso?

Aliás, parece que os residentes têm se tornado animais irracionais, que só agem por instinto, pois ao invés de lutar por uma causa de todos, já que vivemos e dividimos um espaço coletivo, preferem, às 9 horas da noite, lanchar no Mc Donald´s ou pagar por uma coxinha gordurosa e sadia ao rapaz do lanche, que religiosamente, passa na rua oferecendo seus serviços aos residentes famintos que se digladiam, por um salgado ou fritura, garantindo uma noite de sono tranqüilo, livre de pesadelos ou da insônia causados pela fome mal saciada do café – jantar, servido as 5:30h da tarde, na casa.


E assim vai se levando a vida na casa e na capital da alegria, entre uma alimentação de qualidade e sabor questionáveis, aos ratos e baratas constantes, que lembram metaforicamente a nossa situação decadente, às discussões sem propósitos e temperamentais, regradas pelo machismo típico de uma casa povoada exclusivamente, por homens-universitários, que certamente, contribuirão para a formação de nossa sociedade atual com todos seus genomas, estereótipos e dominações mais conhecidos e insistentes.

MAS AFINAL, DE QUEM É A CULPA NESSA HISTÓRIA?
Dos Funcionários da casa? Dos Residentes? Da Superintendência Estudantil ou da UFBA?! (...)
E se não existissem as residências universitárias, quantas pessoas seriam prejudicadas?! Quantos empregos não existiriam?! Quanto de verba seria gasta com outros projetos mais importantes para a UFBA?! Somos os únicos a passar por problemas desse tipo?
O que está acontecendo, Magnífico Reitor?


A UFBA não se importa se comemos bem ou mal. Para ela, o importante são os números, os atendimentos que ela faz há tantos estudantes carentes que precisam estudar na capital. 

Eu sempre fui um dos primeiros a assumir que sou um Residente Universitário, carente, pobre, caipira, filho de lavradores do interior da Bahia, mas com todo orgulho, dignidade e fé na minha cultura e história.

Nunca passei fome ou necessidade na vida! 

Já venci a seca, a politicagem do interior, a falta de emprego, as más administrações públicas, mas nunca passei por uma situação como esta!

O que fizeram com a nossa dignidade, meu Deus?

Não estamos cuspindo no prato que comemos, mas exigindo respeito e dignidade para todos!
Falar de fora é fácil.Vem aqui e sinta na pele esta sensação!

Convivemos nessa casa, entre estudantes e funcionários boa parte da nossa graduação e parece que somos todos estranhos, fechados nos nossos mundinhos patéticos e egoístas. 

Se não lutarmos por uma residência digna, estaremos sendo cúmplices de um processo de acomodação típico do povo brasileiro, intrínseco da mais comum forma de dominação, aquela que aliena psicologicamente e burocraticamente a todos.


Colegas, sejam os atores sociais do seu tempo! Não assistam a vida passar diante de vocês ou pela televisão! Assumam os palcos da vida!

Vivemos numa democracia e a opinião é pública, graças a Deus!!

É inquestionável o valor e a importância da Residência Universitária para a comunidade e para nós, que pessoalmente, usufruímos dela.

Mas uma coisa não tira o valor da outra! Esta residência já foi uma casa acolhedora, mas hoje está abandonada, e cada vez mais vai chegando gente, que vê, olha, senta, come, dorme, defeca, se acostuma, se acomoda e ainda consegue sorrir!

É a alegria típica de uma Bahia subdesenvolvida, de um Brasil Brasileiro turístico e comercial!
Relaxa, senão não encaixa!
Minha Cidade é linda demais!

Tenho fome de tudo!
Cultura, arte, lazer, dignidade, alimento...

Tenho saudade mesmo é da comida de minha mãe, da minha família, da minha alegria, do meu emprego, que não posso ter aqui, estudando em dois turnos, da minha cidadania perdida na capital...

E quanto a vocês, amigos residentes, continuarão como porcos comendo sua lavagem cerebral costumeira? Já se acostumaram com os ratos e baratas insistentes?!

Eu vou dormir, pois o único ovo cozido, que comi no jantar, e que não me fez bem, insiste em ficar no meu estômago mesmo vomitando–o pela terceira vez.


Mas ele vai sair!
Até os porcos vomitam, porque eu não?!
Amanhã será um novo dia!
O segundo ato poderá ser feito por vocês!
Boa digestão a todos!

Por hoje é só, pessoal!

Salvador, 13 de abril de 2005, às 11:30 da noite.


* Marcelo Benigno é ator, arte-educador, diretor teatral, graduando em Artes Cênicas- Licenciatura, pela UFBA, Residente Universitário da R1, no Corredor da Vitória, em Salvador.
Escreva, dê sua opinião!



RELEMBRAR É VIVER!!! TEXTOS, ARTIGOS, PERFORMANCES E MOBILIZAÇÕES NA R1-UFBA



Nossa, bateu uma nostalgia agora, verificando no baú dos textos e artigos que escrevi durante a graduação e a minha passagem pela R1- Residência Universitária da Ufba- no Corredor da Vitória, em Salvador, frente a tantos problemas da assistência estudantil, das condições da casa, das relações de gênero e diversidade, vejo o quanto questionar e lutar pelo seu espaço e direito valem a pena!

Compartilho este com vcs que tem tudo a ver COM AS ELEIÇÕES!!

Postei aqui nas carreiras para compartilhar com os amigos pelo Caruru da Diversidade do GGR.
Valeu Grupo Gay Das Residências por possibilitar este momento e viagem!!

Vamos que vamos! Quem não leu, leia e comente! rs.
Relembrar é viver!!!
Prometo arrumar um tempo para postar os outros e os que foram publicados em jornais e na G Magazine também.

Ah, e só pra contextualizar e atualizar este post, morei recentemente na Residencia  Estudantil da UNICAMP como aluno do mestrado. Lá pode! Comentários? Outro nível de Grampoula!! Ai... ai...


INDEPENDÊNCIA OU MORTE?!
RESIDENTE TAMBÉM É GENTE! BANHO QUENTE JÁ!
ELEIÇÕES 2006-VOTA BRASIL
Por Marcelo Benigno*



Acordei hoje sob o forte som da banda marcial e dos gritos de comando das tropas militares que abriam as comemorações do 7 de Setembro, em Salvador, justamente em frente a Residência Universitária da Ufba, localizada no Corredor da Vitória, coincidentemente na avenida com o mesmo nome da data festiva.

Mesmo com a chuva insistente, o batalhão de soldados e oficiais, de vários segmentos, estufava o peito, enquanto o Governador do Estado revistava a tropa, em carro aberto, com a postura altiva que a ocasião necessitava.

Muitas pessoas prestigiavam o desfile, inclusive muitas crianças!

Do lado de cá, das grades da realidade da Residência, ironicamente, enquanto a nossa independência não chega, também tomamos “nossos banhos de chuva” obrigados pela nossa condição.

Há algum tempo que na Casa não existem chuveiros elétricos funcionando e somos obrigados a tomar banho frio, diariamente. Alguns residentes mais convictos, defendendo sua masculinidade, dizem que tomar banho quente é coisa de gente fresca como eu, de boiola, de gay, de viado mesmo. 


Outros, entravam disfarçadamente no “box quente” para que não percebessem que ele também gostava de banhar-se com uma água quentinha e agradável. Até mesmo os fãs e defensores do banho frio aumentavam a fila para o banho quente em dias frios ou chuvosos.


Essa questão e tantas outras, as quais somos obrigados a enfrentar diariamente, na residência ou na vida, passam pelo viés da nossa cultura. 

Venho de uma cidade que é a mais fria da Bahia! Em Vitória da Conquista já vivi temperaturas por volta dos 6 graus. Lá, culturalmente e climaticamente, não se toma banho frio, ao menos, nos dias mais quentes, “quebra-se a frieza da água” como diz meu avô.

Meu avô, por exemplo, quando vou visitá-lo, na roça - lá não tem energia elétrica- levanta de madrugada só para esquentar, no forno a lenha, a água para que eu lave meu rosto pela manhã, numa bacia branca de esmalte, tão característica daquela região. 


Ele não admite, de forma alguma, que eu lave o rosto na água fria, para ele é uma “desfeita”, chegando a dizer que levantar com o corpo quente e lavar o rosto na água fria faz mal! Este fato é tão peculiar que o sertanejo busca lenha para esquentar água para o banho, que é fervida em chaleiras e vasilhas grandes e velhas, já escurecidas pelo carvão do fogão à lenha.

O banho é tomado sempre antes de escurecer, em bacias grandes de alumínio. Depois da janta, do cafezinho quente e da prosa, antes de dormir, lavam-se os pés novamente, num gostoso escalda pés “arriado” com cacos de telhas e folhas de laranjeira ou tioiô.

Crendices e cuidados populares à parte, não adianta ficar aqui poetizando a situação atual, que nesse caso, não tem nada de poesia ou zelo. 

Imagine chegar na R1 cansado de um dia sufocante de trabalho, estudos e ser obrigado a tomar um banho super frio? Frio e escuro, pois a lâmpada do banheiro, diga de passagem, está queimada há séculos! 

Imagine agora a cena, só que de manhã, bem cedinho, às 6 da matina? Dá para sentir na pele? Imagine quando você está gripado, doente, com problemas nas amídalas ou coisa parecida? 

Depois quando o residente fica sujo e fedido é porque residente da UFBA é assim mesmo... Só sabem reclamar... Reclamam de barriga cheia... Querem regalias... Até banho quente agora, faça-me o favor!!


Hoje, em pleno Dia da Independência, exatamente às 12 horas, o almoço já tinha acabado!

Primeiro acabou o feijão, depois a carne e finalmente o arroz!

Enquanto a maioria das pessoas normais (residente não é gente, é uma espécie específica!), descansava nos seus lares ou viajava curtindo mais um feriadão, os pobres e carentes residentes universitários da R1- UFBA, ficaram sem seu almoço de independência!

E vocês pensam que os residentes reclamaram?!

Os que tinham dinheiro saíram para comer algo por ali mesmo, com a cara costumeira de residente. Outros esbravejam, como de costume, algumas palavras de efeito, desgastadas pelo discurso obsoleto, e mais nada!

Mesmo aqui, num exemplo de coletividade, é cada um por si e Deus por todos!

As tais comissões da Casa, específicas para tratar de assuntos e necessidades da residência e, conseqüentemente, dos residentes, sequer se posicionam em situações similares ou quando fazem um “grande feito” espalham comunicados na casa com mais uma pérola residencial: “Comissão operante é assim que faz”, ou algo parecido! Afinal, em tempo de política, a Propaganda é a alma do negócio! (...) 

Sem comentários!

Viver em coletividade é foda, desculpe a expressão, não dá para ensaiar e fingir que se pensa em todo mundo! Somos iguais ao nosso País, que 500 e tantos anos, ainda batalha por sua independência, por condições dignas para milhares de seus filhos, que assim como nós, não almoçaram hoje e não tomam banho quente!


Acho que aproveitando esta ocasião vou me candidatar para Presidente do Brasil com o lema: Adote um Residente!! Ou Residente também é gente, precisa de comida, carinho e banho quente!

Irei convocar os nossos ricos vizinhos da Vitória para contribuírem com esta campanha social, principalmente nos feriados e fins de semana! 

Nossa, vai ser o máximo! Um marco na Representação Estudantil no país!
Os residentes mais frescos, necessitados e famintos terão o privilégio de escolher qual o prédio ou mansão gostaria que o adotasse! 
As pessoas gostam de ajudar os outros, principalmente os pobres!

Depois, em troca da solidariedade ou favor do vizinho rico, faríamos um trabalhozinho para eles, dentro da nossa área de formação, o qual somaria horas de estágio nos nossos cursos acadêmicos! Não vai ser Fantástico?!




Se depender da consciência de tantos baianos e brasileiros, e dos modelos políticos e campanhas que temos visto, serei eleito no primeiro turno! Percebam a relevância política e social da minha campanha!!

Prometo ainda, caso seja eleito, dentre outras coisas, cotas para os residentes mais pobres de cada casa, ajuda financeira para comprar lanches noturnos, remédios para o estômago, antibióticos, banhos de sol, visitas íntimas e principalmente, (pausa dramática): Banho Quente para todos(as), com direito a massagem relaxante com garotos e garotas profissionais, para todos os gostos, aliviando o stress da vida louca dos residentes na capital, enquanto buscam sua formação e independência, junto ao nosso país residente!

Tão vendo como é fácil fazer política no Brasil!?

Obrigado a todos pela atenção e vejo vocês nas eleições!

E se por acaso não houver discurso, não estranhem, continuo gripado e rouco, a água continua fria, o banheiro escuro, assim como muita coisa por aqui!

Vota Brasil! Eleições 2006! 
Residente também é Gente!
Chuveiros quentes, já!



* Marcelo Benigno é ator, arte-educador, diretor teatral, graduando em Artes Cênicas pelas Ufba e residente universitário da R1 – no Corredor da Vitória, em Salvador.