terça-feira, 14 de janeiro de 2020

MAS, E DAI?! Bufonews e a Necropolítica – A experiência viva do jogo como dispositivo no processo de criação


MAS, E DAI?!
Bufonews e a Necropolítica – 
A experiência viva do jogo como dispositivo no processo de criação 
( Diário de Bordo- Exposição Poética)



Eu sei que devia ta terminando de ler o texto para o encontro de Dramaturgia, com o convidado, mas precisava falar, falar da experiência que foi o Experimento 1, da Exposição Poética da SP Escola de Teatro.

Eu faço diário de bordo e se você demora muito de escrever, esquece a pulsão do que aconteceu no dia, das sensações daquele momento, mesmo que depois possam ser reinterpretadas, ou reescritas, reestruturadas. Sei que o tema Necropolítica era o mote para direcionar os olhares de todxs, mas pelo o que vi, para um lugar denso, sem saídas, de paralisação. Não, Benigno, você não devia falar isso agora, não vai atrair a atenção do leitor para o texto, não vai criar uma situação, um espelhamento, uma identificação, uma, uma, uma contradição?!

Eu já sei o que está acontecendo por aí, pelo país, na Amazônia, no Nordeste, em Brasília, em São Paulo. Eu sei o que significa a necro-política, mas, e daí?

Não quero ver novamente as imagens agonizantes dos desastres dos últimos tempos ou ver mais um preto na mira de uma arma. Não quero a repetição de reportagens de tanta coisa ruim que aconteceu ou está acontecendo. Mataram Agatha, no Rio, nesse final de semana. Mas, e dai?   É encenação ou realidade? Extra, Extra, Extra!   A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca(...). A informação não é experiência. ”

Acredito que devemos apontar saídas, linhas de fuga para tantas realidades que estamos vivendo, e que não são teatro! A realidade nunca será uma encenação, uma exposição! Nossa tentativa de dessecar o real muitas vezes é fraca e caricaturada, além, de nos colocar pra baixo. Não existe amor em SP?!

“A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca(...). A informação não é .”

Fiquei muito feliz com o resultado do Núcleo 7- Amarelo, por ter se colocado no desafio do jogo! Era um jogo! Não era ensaiado, acontecia, ali na frente dos olhos da plateia. Não era uma projeção na parede. Parece que os experimentos se contaminaram com uma pseudo modernidade das projeções. Que contemporâneo!!! Mas, e daí? “A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca(...).

Escolher um jogo vivo, nos corpos dxs atuadorxs colocou todo o Núcleo em estado de prontidão, em estado de jogo, e funcionou! Foi arriscado, como andar na rua diariamente sem sofrer nenhum tipo de violência ou surpresa, mas funcionou!
Acho que conseguimos atingir com essa experiência instaurada um estado de cooperação entre nós, todxs envolvidxs nesse experimento! Rolou uma sinergia! Ufa! Que bom! Axé! Evoé!

Relacionar com as variadas áreas e cursos da Escola pode ser instigante, mas é um desafio, pois é vida real, é lidar com as pessoas, pensamentos, olho no olho. Isto é experiência e é nesse pulsar que acredito, num teatro e artes vivas, e que  “coloque pra cima” nossa energia vital em alegria, não em tristeza,  ou lamentação.

Conseguimos uma unidade de grupo, o que leva muito tempo de convivência! Devemos continuar nessa energia para potenciar outros encontros alegres e felizes. Encontros alegres como Espinosa tanto fala!

Fiquei pensando nisso, após chegar em casa e ter conseguido raptar o diretor para um evoé rápido com uma cerveja - na ausência de vinho, (eu consegui!) no caminho para o metrô.

Vamos conservar esse estado de jogo positivo, criativo e pulsante.

O monstro está aí, a nos rodar cotidianamente, e temos várias opções:


  •   A de identificar ele e ignora-lo.
  •    A de não identificá-lo e continuar nossa vida/encenação.
  •     A identifica-lo e partir pra cima dele! Bacuralizemo-nos!!!
  •    Outras possibilidades...

Nesses nossos jogos cotidianos cada um de nós sabe os jogos e papéis que ocupa e quais etapas de cada jogo deve chegar!

Lembremos que a “nossa arte” deve apontar caminhos, frestas, linhas de fuga a para transformar a nossa realidade e sair do jogo ou escolher o jogo que queremos ficar.  Mas, e dai?!

Que comecem os jogos!

"Não quero saber mais saber do lirismo que não é libertação." Manuel Bandeira

“A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca(...). A informação não é experiência. ” Salve Jorge Larrosa Bondía!

Extra, Extra, Extra!!!  
  
MB 23 de setembro de 2019. Esfriou de novo na Meca Sampã. Rascunho de Diário de Bordo.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Teatro da Pimenta- Para que serve um dramaturgista?!



Teatro da Pimenta- Para que serve um dramaturgista?!
Penúltimo Diário de Bordo -SP Escola de Teatro-  Segundo Semestre 2019
Processos de “A Risonha e Límpida História da Democracia”  N7



Pimentas são frutinhas coloridas que têm poder para provocar incêndios na boca. Pois há ideias que se assemelham às pimentas: elas podem provocar incêndios nos pensamentos. Nietzsche era um especialista em ideias incendiárias. Um eremita que vivia na floresta, ao ver Zaratustra descer das montanhas para as planícies, percebeu que ele estava a fim de pôr fogo no mundo com as suas ideias. Zaratustra sabia que suas ideias queimavam e que muitas pessoas, ao lê-lo, “pensariam que estavam devorando fogo e queimariam suas bocas”. Mas, para se provocar um incêndio, não é preciso fogo. Basta uma única brasa. Um único pensamento-pimenta...” Rubens Alves

Agora eu posso falar, ou melhor, escrever! No início falaram que o dramaturgista não tinha voz. Parei. Calei. Respirei. O que vou fazer agora? Libras, Marcel Marceau, Luis Louis?

Existem alguns adendos, ou referências, ou notas de roda pé a serem feitos nesse texto para se entender mais sobre o processo criativo e de formação no curso de Dramaturgia da SP Escola de Teatro, mas prefiro, agora, ir escrevendo para não perder o fluxo da escrita e das imagens. Mas como é um diário de bordo, minha primeira intenção é primeiro o registro para posteriores aprofundamentos, então, como baiano que sou, o registro é lento, leve, descompromissado, à princípio.  Ingressei na SP Escola de Teatro no segundo semestre de 2019, então, ainda estou conhecendo e engatinhando na pedagogia e metodologia posposta por ela e este é um dos meus diários de bordo.

A função do dramaturgista ainda é considerada um luxo em companhias ou grupos teatrais brasileiros. Fala-se muito mais em "assistente de direção" ou outras nomeações para esta função. Elx é aquelx que  não é x autorx do texto dramático, mas que desempenha uma série de atividades que efetivamente envolvem a dramaturgia. É conhecidx como aquelx que articula relações, levanta material, mas não pode ter voz. O dramaturgista não escreve o texto, quem escreve o texto dramático é o dramaturgo.

A professora convidada, que foi dramaturgista na Alemanha, onde a figura do Dramaturgista surgiu, foi enfática.



Então, o dramaturgista é como uma ekedi, professora?!  Ekedi é o nome dado, de acordo cada nação de candomblé, para um cargo feminino de grande valor: o de “zeladora dos orixás”. A ekedi, na maioria das casas, também é chamada de mãe e exerce a função de dama de honra do orixá regente da casa. É dela a função de zelar, acompanhar, dançar, cuidar das roupas e apetrechos dos orixás da casa. Ela faz de tudo, é a figura feminina que mais trabalha em um terreiro, prepara ebós, arruma quartos e roupas de santo, conhece os rituais, vai ao roncó, cozinha, lava, limpa, serve, mas está atrelada e subordinada à voz do pai ou mãe de santo do terreiro.




O dramatugista é uma ekedi do teatro. Para ser uma ekedi, ou melhor, um dramatugista, não é fácil, pois além de saber tudo que está se passando ao redor,  elx tem que saber a hora em que pode falar. Oxe, mas você não havia dito que o dramatugista não tinha voz e que as ekedis não podiam falar?!

Em terreiros teatrais, comumente, os pais/mães de santos diretores muitas vezes sucumbem à voz das ekedis, dos ogãs, das iaôs. Saber reconhecer hierarquias é bastante importante tanto no teatro como no ilê, saber quem comanda o leme da embarcação, acatando a direção do vento e vendo as rotas é fundamental. No nosso caso, a direção compartilhada do nosso barco, feita por dois diretores, foi bastante generosa, respeitosa, sábia e enriquecedora para o grupo, ekedis, ogãs e abiãs.

A ekedi sabe, o ogã sabe que sem a sua participação o comandante/ pai /mãe de santo não comanda uma embarcação sozinho. Um abiã tem que saber o caminho que tem a percorrer. Perceber isso é ter sabedoria e maturidade. Trabalhar na consciência do grupo, na energia criativa e colaborativa para elevar o espirito coletivo do jogo, do axé, da festa.






Assim como no axé, o teatro precisa de ekedis que cozinhem os saberes para fazer o ritual  potente, brincante, vivo, com sabor e colorido, ainda mais numa metrópole triste, acelerada, corrida, poluída, com cotação da bolsa, ligação de telemarketing, corre-corre, caos. O teatro precisa ter gosto, energia e colorido como o Axé para chegar e se fazer presente na vida das pessoas.

São Paulo é uma Meca e nesse cérebro do país tudo é muito racional, corrido, preto e branco, pesado. Falta Axé em São Paulo, já diria meu amigo babalorixá.




Por isso é necessário um Teatro da pimenta, da paçoca, da uva ou um dramaturgismo dos sabores que dê o seu recado e contribuição, tornando-se, realmente, uma experiência prazerosa, leve e tranquila para quem se religa com ele. É nesse teatro que acredito!  Um teatro popular onde os sabores resgatam memórias, alimentam o corpo e a alma, ativam nossos estados ancestrais, vitais para nos aliviar ou tirar dessa corrida pela sobrevivência ou dos resquícios do consumismo nessa metrópole manchada pelo capitalismo, sem empatia e cor.

Acreditar num teatro do encontro que potencialize uma experiência em arte feliz, pulsante, alegre, produtiva, é ativar o nosso estado brincante, da alegria do erê, do jogo de estar presente, garantindo o frescor e a plenitude de cada experiência.



Começar com o jogo permitiu o N7 experimentar um trabalho coletivo e participativo em sua totalidade onde todos jogavam, (ou seja, todas as linguagens artísticas eram propositoras) indistintamente. Como foi lindo ver a direção de Wander e Arisson abraçar essa ideia e permitir a todxs vivenciar uma experiência de teatro de grupo, não meramente pedagógica.  Falo isso, pois sou cria do teatro de grupo na Bahia e muitas vezes os processos de cunho pedagógico não refletem a realidade da vida e do mercado de trabalho na nossa área.

Na SP Escola de Teatro todos os criadores, das variadas linguagens, formam um Núcleo onde cada área pesquisa em torno de um tema para culminar num resultado cênico, coletivamente. Isso é maravilhoso mas é sempre um desafio conseguir unir  todas as linguagens num único objetivo, numa mesma energia de grupo, pois cada linguagem quer mostrar o seu trabalho e pesquisa. Então já deu pra imaginar, né?!
O tema desse ano foi NECROPOLÍTICA. São três momentos distintos até o produto final.



Começamos com o Jogo! Nossa primeira abertura foi um jogo de bufões transformando notícias reais em fake news, ao vivo, sem ensaio, só treinamento. 









Assumimos o risco do jogo e nos jogamos, literalmente, na força desses bufões. Foi massa  o nosso "BufoNews". Muita gente achou que havíamos ensaiando tudo, quando estávamos jogando com as improvisações e este dramaturgista que vos escreve (agora e aqui eu posso, rs) escolhia as notícias ao vivo a serem jogadas aos bufões que as transformavam e criavam na frente do público! Uau! De celular na mão tudo pode virar notícia, até eleger um Presidente da República desses!











No jogo do aqui e agora as fakes news só terão importância se acreditamos nelas. Em que teatro em acredito?  A quem o meu teatro atende? Para quem eu jogo?! Para quê?!

Enquanto brincamos de ser Zeus ou Deus, mais uma pessoa é afetada diretamente pela necropolitica na porta da sede do Brás, na praça Roosevelt, nas ruas da capital paulista.
“São Paulo tem mais pessoas morando na rua que população de 457 cidades paulistas”, diz a reportagem.Em quatro anos, a capital mais que duplicou número de pessoas em condição de rua. Estima-se que sejam cerca de 33.700 mil desabrigados em São Paulo.”  Não é fake news! Não é teatro, é vida real! Necropolítica real.



Enquanto o nosso teatro não for mais potente e forte para tentar resolver ou apontar soluções, saídas, linhas de fuga ou sei lá o que, sucumbiremos nas nossas próprias bolhas, sabiamente colocado no texto forte de Elenice Zerneri.

Onde está a Necropolítica? Foi a questão que mais se ouvia nos ensaios abertos dos experimentos, pois a maioria dos núcleos focou na consequência da Necropolítica e não na sua causa. Isso foi nítido na Primeira “Exposição Poética” e escrevi no meu diário do bordo sobre. Vou postar no blog também![https://marcelobenigno.blogspot.com/2020/01/mas-e-dai-bufonews-e-necropolitica.html]


No final do processo, o N7 encerrou as apresentações da Mostra da Escola numa sessão intensa na plenitude de uma plateia participativa.
















Que o reflexo visto do espelho da cena final seja mais forte que a parábola que ela sinaliza e jogue no jogo da vida real todxs xs portadorxs dos reflexos refletidos, onde além de brincar e se divertir, interfiram na ordem das coisas, cenas, festa e da vida!

Um teatro da pimenta que não só dá cor e sabor mas que seja inesquecível e necessário como numa oferenda a Exú, na qual esse ingrediente picante sempre está presente para movimentar e esquentar a vida. Evoé, Dionísio! Laroyê Exú!


Agradecimento especial a Marici Salomão, Daniel Veiga e Silvia Gomez, parceirxs nessa labuta e travessia que com generosidade, sabedoria e muita  finesse (é bom que se diga!) acolheram a minha baianidade de Chicó com a desconfiança de Oxóssi nessa primeira etapa. E a minha turma do “Drama com amor”, sigamos açucarados e apimentados, firmes e fortes nos afetos e sabores!



Axé, Laroyê, Evoé!
mb

PS: Selecionar fotos para colocar nessa publicação foi mais difícil que digitar o texto, rs, foram muitaaaas fotos e filmagens desse trabalho, preferi colocar as fotos do processo, tiradas por mim e pelo grupo, que representam nosso encontro feliz!





“Não gosto da vida em banho-maria, gosto de fogo, pimenta, alho, ervas. Por um triz não sou uma bruxa. ” Martha Medeiros
“Pimenta nos olhos dos outros é refresco”. Ditado Popular


PIMENTA — O FRUTO E FOLHA DE EXU
A pimenta simboliza descendência e abundância. É cheia de sementes e “explode” quando está suficientemente madura, espalhando fecundidade e criatividade. As características morfológicas da pimenta, tipo dedo-de-moça, da costa ou malagueta, cuja cápsula – fruto – contém inúmeras sementes expulsas quando ocorre a maturação, são consideradas quentes – fogo – e elemento (fruto ou folha) de Exu. Como todos os pimentos, é possuidora de um axé – força fluídica – capaz de reforçar o poder da palavra quando algumas de suas sementes são mastigadas liturgicamente na ponta da língua. Assim, nas invocações e evocações, as pimentas são indicadas para potencializar o verbo dos oficiantes para ligá-los ao Senhor dos Caminhos – Exu —, o que leva e traz, abre e fecha, fazendo com que os cânticos tenham “força” etéreo-astral. As folhas das pimentas, com maior ou menor concentração de princípios ativos, podem ser preparadas adequadamente, dentro do fundamento e tradição de manejo adequado dos terreiros, para uso litúrgico em pessoas astênicas (sentimentos mórbidos e depressivos com enfraquecimento da vontade), comprovadamente magiadas, auxiliando-as positivamente para o restabelecimento da saúde psíquica e física.
A pimenta é dispersora de fluídos pesados e negativos por ser um fluído quente e desagregador. Pode ser usada para a proteção de ambientes, plantadas em jardins ou em vasos, próximo a janelas e portas de entradas. Ao mesmo tempo, também dispersa formas de pensamentos gerados por inveja e ciúmes, o popular “olho grande”.
- ENCANTOS DE UMBANDA- Peixoto, Norberto. Editora: LEGIAO PUBLICAÇOES


“Essas pimentas; acrescentai-lhes asas e serão libélulas...” Basho







             





FICHA TÉCNICA N7

"A risonha e límpida história da democracia" conta, através de imagens e fragmentos narrativos, os principais acontecimentos políticos ocorridos no Brasil (ou na Grécia), de 2013 a 2019 (ou século V a.C.). É possível que algo que nunca aconteceu esteja em perigo? Sem a pretensão de realizar uma análise ou um manifesto, trabalha-se com a ideia de colagem do sinistro. Do indizível. Do que, retirado o jogo da democracia liberal, revela-se como a perpetuação da guerra contra os debaixo, disfarçada de política. Os debaixo que são, sem saber, o alicerce de todo o sistema.

Atuadores Humor- Amanda Rodovalho, Davyd Rafael, Mayra Hartz, Olivia Bassini, Vitor Ugo

Direção- Arisson Fabrício e Wander B.

Dramaturgia- Elenice Zerneri

Dramaturgista- Marcelo Benigno

Cenografia e Figurino- Ana Catarina, Mariana Cortez, Yuri Godoy

Sonoplastia- Fábio Martins e Natasha Hammel

Iluminação- Angel Taize e Julia Orlando

Técnicas de Palco- Thais Costa e Vitor Tatsumi.

                                                            
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