segunda-feira, 21 de setembro de 2015

SOLIDÃO, PURPURINA E CACHÊ - 13 anos depois!!


Esta semana vi uma postagem da querida Rainha Loulou sobre a noite de Salvador. Em tempos de Parada, "Talento Marujo", visita da filósofa norte-americana Judith Butter em terras soteropolitanas e brasileiras, "midialização" na internet, redes sociais, exposições e falações sobre o tema, entre outros, me lembrei de um texto que escrevi em 2002. Até editei-o para mandar a G Magazine do qual era colaborador. Depois da escrita e da sua fruição tive algumas constatações e eis aqui a primeira:

Não sou uma drag queen! Sou um ator que faço e vivo papeis, inclusive femininos, andróginos, masculinos, assexuados... e algumas drags de vez em quando. Esta arte não é fácil! Nem todo ator formado em academia ou cursos especializados é capaz de emprestar seu cavalo para uma drag ou personagem feminin
Antes e Depois de usar Boticário. rs.
Por isso, respeito, admiro e tiro o chapéu para os profissionais da área. 
Relendo o texto antigo,( minha geração já é considerada antiga por esta,rs), tive também saudade de Salvador dos anos 2000, da sua noite e de tantos profissionais e artistas performativos e transformistas daquela época. 

Minha Mortícia criada para uma Festa à Fantasia e virou
Personagem de Repertório de Trabalho, até hoje!
Hoje ficou fácil (por inúmeros fatores e razões) fazer drag ou tentar querer ser a nova sensação fechativa do momento... Ser drag para alguns é só por um carão, bater cabelo com a música do momento, usar uns looks e makes descolados e só. Gosto mesmo é da velha guarda, daqueles que ralaram muito e construíram o chão para esta garotada "Ru Paul's Drag Race" se espelhar! Gosto dos artistas timbrados pela estrada e noites de janela, do seu discurso e engajamento com sua arte, classe e comunidade. Amo o sentimento, a entrega e irmandade, ainda expressados, que na classe artística há muito se perdeu...

Madame Bovary, outro personagem que me segue como Teacher in Role!
Na Foto, em divulgação no campus de Conquista, do Grupo de Teatro da UESB, com alguns participantes em 1999.
Acho que uma pesquisa sobre esses artistas daria uma importante homenagem para tantos que passaram e brilharam os palcos, bares e ruas de Salvador e um registro histórico oportuno! Adoraria ver um painel, daquele icônico que fica no Âncora do Marujo, com a imagem e história daqueles que passaram por lá e introduziram e abriram caminhos para tantos.

"A Professora", quase um alter ego, em mais uma das suas
divertidas Formações, Capacitações e Aulas para Professores.

" A Professora" ( ao centro),  nas suas Capacitações e Oficinas para Educadores.
O que acha Rubem Damasceno junto com Fernando- do Âncora do Marujo e com a ajuda de tantos veteranos postar no Fabu Lous e no Dois Terços algo similar que ilustre esta memória?! É trabalho e pesquisa para uma pós da vida real!

Lucineide, Jussicreide Concebida Sem Pecado Original Gonçalves Santos
 em evento sobre a Diversidade. Brinca com ela, não!
Enquanto a nostalgia domingueira não passa, posto o texto de 2002 e sinto a mesma sensação, ainda!

Bom domingo a todos(as)!! E hoje tem show?! Tem sim, senhor(a)!!

Madame Bovary em Capacitação para Educadores de Arte- 2014.

PS: Ilustrei esta postagem com algumas intervenções minhas na área. Não reparem na qualidade das fotos e nem nas abordagens, pois como sou das antigas, não tínhamos a facilidade que temos hoje, mas vale pelo registro e memória.
                                                                  

SOLIDÃO, PURPURINA E CACHÊ- 
Uma escapadinha na noite gay de Salvador

Mais um final de semana em Salvador. Poderia está mais animado e eufórico, afinal estamos na Bahia, meu rei, a cidade da alegria! Só que as circunstâncias e opções para o lazer soteropolitano tornam-se cada vez mais previsíveis e limitadas.

Se você gosta de ficar em casa, vendo vídeos, estudando, lendo um livro ou se prefere fazer um programa cultural, não faltam opções, porém, se você quer cair na noite para extravasar, as opções tornam-se claramente óbvias.

Você pode ir às boates conhecidas, (com seus assíduos frequentadores e seus tipos marcantes) ou se preferir, ir para alguns poucos bares coloridos da cidade, ou então, para a velha Carlos Gomes, onde “tudo é permitido”. Só que poucos admitem conhecê-la e/ou frequenta-la.

Entro no bar “Âncora do Marujo” situado na Carlos Gomes, e que mantêm uma difícil e plausível missão: a de ainda incentivar shows de atores transformistas, drags e travestis, que alegram as noites com suas performances inusitadas. Entretanto, o que é mais inusitado são os cachês que estes artistas recebem, que certamente, não pagam a produção dos seus trabalhos tampouco, o talento de cada um. Imagine toda aquela produção, as roupas, sapatos, acessórios e bijuterias que caracterizam as personagens glamourosas?!  

Como ator, sei que é difícil fazer um show drag, com dublagem, irreverência e humor. Leva-se tempo, ensaios, pesquisa, pois o público, além de exigente, é atento a qualquer deslize sendo este, motivo para fazer uma grande e gostosa chorria. Às vezes, a interferência do público, com estes comentários, soa agressiva e atrapalha, não só o artista, mas também, o público.

Continuo no bar e vejo muita gente bonita e alegre, conversando, namorando, tornando aquele espaço transcendental e efêmero. A música que toca sugere um clima romântico envolvido no mundo de divas famosas, chiques e neuróticas. A imagem feminina é cultuada, satirizada e até mesmo, comicamente representada, não deixando para trás, o padrão americanizado da diva pop star.

Tomo mais uma cerveja. Continuo a conversar com meus amigos sobre a solidão em Salvador. 

Na mesa ao lado, um trio de amigos também comenta sobre a dificuldade de se encontrar pessoas para namorar, para assumir um compromisso mais sério quando em qualquer esquina, encontra-se o tesão e o sexo fácil, confirmando mais um estereótipo baiano. Onde estão os compromissos duradouros, que vão além de uma única noite de prazer? Aliás, (e infelizmente) o gay cada vez mais se deixa marcar pelo estereotipo sexual puramente carnal e fugas.

O show acaba. O ator transformista convida o público para prestigiá-lo logo mais, na boate próxima.

Minutos depois, ainda com restos de maquiagem no rosto, deixa o camarim carregando intermináveis e gigantes mochilas. Seu olhar revela um cansaço nostálgico de ainda um trabalho por vir. Sua imagem, seguindo no asfalto, representa também, os anseios de uma classe que continua acreditando no belo, nas possibilidades e no show, e este, como a vida, não pode parar, apesar dos cachês, das condições de trabalho e da solidão, típica dos que querem compartilhar experiências recíprocas que constroem histórias transcendentais e legítimas como esta que acabo de narrar.

Salvador- BA. Escrito em meados de 2002.
Marcelo Benigno é ator, professor e diretor teatral.