domingo, 9 de novembro de 2008

ESPETÁCULO DE FORMATURA: Os Cinquentões da Escola de Teatro e Nelson Rodrigues





De cinta liga e salto alto!
Atire a primeira pedra quem não gozou com os Cinquentões!
Espetáculo de Formatura da Escola de Teatro, baseado nos contos de Nelson Rodrigues, surpreende pela qualidade e profissionalismo.


Assisti hoje ao espetáculo de Formatura dos Cinquentões, grupo de alunos do curso Interpretação, da Escola de Teatro da Ufba. O autor escolhido foi o nosso Nelson Rodrigues, em adaptações de alguns de seus contos feitas pelas mãos sábias da dramaturga e professora Cleise Mendes e por Fernando Santana, aluno formando desta turma.
Logo na primeira impressão notamos uma produção muito bem cuidada, desde o material de divulgação, às camisas e programas do espetáculo.
É de se admirar a qualidade de todo o conjunto da obra para um resultado de espetáculo produzido como final de curso na Escola. Falo isso porque muitos ainda acham que não se precisa ter um rigor com o resultado de final de curso ou disciplina, como se na vida empenhássemos só 50, 40 ou 20% da nossa força, garra e trabalho.
Talvez seja esta uma das poucas qualidades do Módulo ao qual a Escola aderiu.
Ver o resultado daqueles sátiros e bacantes em cena, com tanta qualidade e força, faz qualquer aluno da Escola, ou melhor, ex - aluno, (enfim me formei!) feliz, ou com vontade de entrar em cena e se jogar numa volúpia rodrigueana.
Marfuz acerta mais uma vez, com uma direção que privilegia o que cada ator traz de melhor. Muitos atores se assustam com este diretor-professor pela doçura que trata sua trupe. Estamos mais acostumados com o estereótipo do diretor “cavalo” e mal humorado, que desconta tudo no seu elenco...
Neste desafio de transformar um autor marginalizado em comercial e acessível, o recurso do melodrama caiu como uma luva! As músicas “bregas” e a trilha musical foram um atrativo à parte, salve, salve Luciano Baia, dando ambientação as cenas e identificação ao público, que não se conteve em acompanhar algumas das músicas e aplaudir, várias vezes em cena aberta, a atuação do elenco.
É lindo ver em cena atores cantando e dançando, longe de um realismo patético, com marcações mais televisivas que teatrais, com pausas longas, compenetradas ou exageradas que ainda sobrevoa a Escola de Teatro.
A coreografia de Marilza Oliveira trouxe brilho à encenação, não só quando ela é perceptível como no dançar na cena Veneno, onde Liliana Matos, em ótima performance, flutua com o coro em suavidade, como também nas ações cotidianas marcadinhas, em ações e trocas precisas de adereços e figurinos.
Este universo teatral acaba revelando as aptidões dos atores, que ora dançam, ora cantam afinados, com o sorriso interno e a cara de diva de Marcelo Jardim, ou que se exibem com uma luz quase cinematográfica de Fernanda Paquelet; aos figurinos funcionais e quase típicos de Miguel Carvalho, (as roupas da festa de casamento estão um mimo); os saltos altos e cintas-liga bem cuidados e fundamentais; a maquiagem sempre ótima de Beto Laplane, e os cabelos de Deo Carvalho. A equipe toda é enorme e de primeira linha, e faz jus ao resultado conferido, um luxo necessário, que na realidade é difícil e caro de se achar nas produções baianas.
O Cenário é extremamente funcional, amplo, e o maguenta impera no nosso sangue, com requintes e detalhes como as penteadeiras e seus abajures atrás da cena, as cortinas que dançam a cada momento nas suas transparências e tons rubros, às marcações só com as mesas que se transmutam em várias posições como o Kamasutra, enchendo a imaginação de qualquer mortal mais criativo, ao fio luminoso que demarca o palco, aceso em momentos estratégicos, que nos convidam para um cortezano tinto ou um vermute, nesse bar rodrigueano que todos se mostram.
Haja tabela de Pavis para analisar este espetáculo!
Marfuz foi dosado nas cenas mais picantes, trazendo verossimilhança à cena sem agredir, raro em espetáculos que tocam na sensualidade ou que falam de Nelson.
O único nu é na cena-conto: Noiva da Morte, onde o ator Fernando Santana (Alipinho), despe-se totalmente de costas. A cena teria ganhado mais poesia se fosse feita antes de uma cena tão alegre, pois a magia deste momento foi cortada pelos risos de alguns, na platéia, com a nudez do ator.
Outro ganho da montagem é o trabalho de ator, pois num grupo de 19 atores, com 5 homens e 14 mulheres, elas roubaram mesmo a cena, embora a unidade do elenco é impressionante para um grupo tão distinto.
Não posso deixar de falar das duas conquistenses em cena, Danielle Rosa e Milena Flick, respectivamente representando a mulher mais rodrigueana que conheço e a menina doce que cresce. Ambas estão exuberantes em cena, representando dignamente o artista do interior e o trabalho de grupos de teatro efetivos, além dos impagáveis e timbrados Caliban e Joedson Silva, que arrancaram aplausos (ta vendo, mais aplausos!) em cena aberta, com suas criações.
Acho que tanta qualidade se vê pela dedicação do elenco em ensaios diários e longos, que puderam questionar alguns. Tal disciplina teatral mostra a estudantes de teatro a realidade da profissão. Ora, este estudante não será formado para o mercado de trabalho?! Na Vida como ela é do teatro real, os atores e as montagens profissionais, ou os poucos grupos de teatro, ainda existentes na capital, ensaiam várias vezes, com horários os mais variados e complicados possíveis, fazem produção, figurino, maquiagem, trabalham fora, dão aulas, correm atrás de editais, apoios, público, cachê...
Devemos “formar” este aluno para a realidade que ele enfrentará. Nesse meio artístico e profissional não dá para brincar de ser ator ou artista! Ou sofre agora e percebe que o pau é mais embaixo, ou muda de profissão! E para os mais sonhadores, TV não é teatro!
É estimulante ver jovens tão talentosos, que espero encontrar lutando pelo teatro e mercado baianos, criando ou ingressando em grupos efetivos de teatro, e finalmente, brigando por uma Escola de Teatro mais plural, com espaço para todas as linguagens teatrais.
E um conselho do colega aqui, se joguem nesta produção e entrem e cartaz logo, pelo amor de Dionísio, pois Salvador urge de espetáculos com esse refinamento e qualidade!
Não deixe Nelson morrer nas paredes da academia, traga-o para o meio do povo, da platéia, que se identifica tanto com ele, que aplaudiu a todos vocês, calorosamente, neste dia!
Como Arandir só me resta pedir de cada um, um beijo demorado, pois como a arte reflete o nosso espelho, pude me ver em cada um em cena, e me vi feliz, por ver atores tão empenhados num fazer teatral tão contagiante quanto esse!
Ah, e aproveitem Marfuz, pois em época de besteirol e moda da cultura popular, este encenador ainda conserva a maturidade dos mestres que sabem falar e fazer o que deve, com o tom certo, e não é metido a besta como um monte de artista baiano por ai!

Evoé e merda a todos!
Longa Vida aos Cinquentões!
Viva Nelson Rodrigues, o teatro brasileiro, nordestino, baiano, da capital e do interior!

Salvador 08 de novembro de 2008.

4 comentários:

Unknown disse...

Marcelo, muito obrigada pelas tocantes palavras que nos dedicou. Todos nos emocionamos, em especial eu e Danni! O carinho e a força com a qual fala do nosso trabalho com certeza nos serviram de inspiração e incentivo para trilhar o caminho que agora se descortina em nossas carreiras. Um grande abraço e muita merda para todos nós!

Unknown disse...

Arrasou, Marcelo. Já tinha falado de muitos destes aspectos pra Marfuz, para o próprio eleconco e para qualquer ser humano que por desventura cruze o meu caminho. Depois que sai da peça eu só falava nisso.Mas, como denuncia o próprio Nelson, a peça não é uma unanimidade e tem gente mordendo a testa porque a conclusão do curso não foi realista!!! Fazer o quê? Nada mais realista que o declínio do realismo!!! A peça é ousada e não temos que estar fadados ao relismo dentro da escola. Fim às pausas longas, aos pseudo-complexismos ás profundidades de pires de chá.

DANIELLE ROSA disse...

Marcelo eu agradeço muito pela força e pelo elogio em relação ao espetáculo "ATIRE A PRIMEIRA PEDRA". Como já te disse todos nós ficamos muito emocionados com sua crítica. Agradeço mesmo aguarde, por que em breve voltaremos em cartaz.

Beijo grande!!! e muita merda para todos!!!

Danielle Rosa

Liliana matos disse...

Marcelo, fiquei muito feliz e em êxtase com a sua sensibilidade! A impressão que tive ao ouvi-la, através dessa inspiradora crítica, é que você estava conosco no processo ou que você tinha assistido pelo menos umas vinte vezes ao espetáculo(número que, aliás, ainda não atingimos!!!),tal era a riqueza de detalhes que continha em sua dedicada e emocionantes palavras. Que bom ver e sentir reverberar o nosso labor e prazer do fazer teatral de maneira tão intensa e emocionante. Muito, muito obrigada por suas palavras, por sua dedicação e por sua emoção ao nosso espetáculo e em especial à minha performance. Elas vieram num momento muito importante e nos fortificaram ainda mais.
Praticamos o ato teatral. Celebramos o prazer dessa arte; palco e platéia éramos um só. Obrigada por sua energia.

Évoe!

Liliana Matos.