terça-feira, 24 de janeiro de 2017

ENTRE A CRUZ, A ESPADA E A ESTRADA. E A HISTÓRIA SE REPETE...


"Um povo sem o conhecimento da sua história, origem e cultura é como uma árvore sem raízes."

Com o pensamento do ativista jamaicano Marcus Garvey que evoco a deusa da memória Mnemosine para me acudir a relembrar a trajetória de mais um trabalho do Grupo Caçuá de Teatro.

O Caçuá originou-se na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB, no ano de 1998, com o projeto de extensão acadêmica Grupos de Arte da UESB. De lá pra cá, o grupo catingueiro tornou-se independente, reconhecido e premiado no interior baiano por seus espetáculos, projetos e ações na formação de atores e pesquisa com a cultura popular nordestina e sertaneja.

Parece chato, e é muitas vezes cansativo, ficar referendando a seu currículo e trabalhos anteriores, toda vez que vamos falar de alguma coisa ou conquista. Mas numa geração efêmera, oportunista, esquecida e totalmente acostumada a ser a mais antenada, jovem e moderna do momento, (sendo na verdade, o estereótipo dela mesma, sobretudo nas artes das cena), quem tem uma história verdadeira e construída com muito trabalho e reconhecimento, deve falar e alardar, em alto tom, aos quatros quantos, pois nem tudo que a internet guarda está emaranhado nos nossos extratos e discurso-corpo-arte-vida.

Então, vamos conhecer um pouco do Processo Criativo do Entre a Cruz!

Estreei o "Entre a Cruz, a Espada e a Estrada- Como nasce um Artista Sertanejo" nos palcos do Teatro Vila Velha em Salvador, através de dois Projetos dessa casa.

Foto- Márcio Lima
Entre a Cruz no Teatro Vila Velha em Salvador.

Em dezembro de 2004, no Projeto Teatro de Cabo a Rabo, mostrei pela primeira vez, ao público, o processo e pesquisa deste trabalho. O Caçuá, no ano anterior, participou do Teatro de Cabo a Rabo com dois trabalhos: O Auto da Conquista e o Cordel do Pavão Misterioso. O Projeto Teatro de Cabo a Rabo levava grupos do interior para se apresentarem e trocarem experiências em Salvador, além das oficinas e espetáculos que eram oferecidos nessas cidades por uma equipe do Vila.

Seguindo a pesquisa popular e através do Projeto interno do Grupo: “Solos do Caçuá” nascem os trabalhos: Vidas Secas- Um olhar de Fadriano, solo do atuador Adriano Soledade e o “Entre a Cruz, a Espada e a Estrada- Como nasce um Artista Sertanejo”.








Em junho de 2005, o Entre a Cruz volta aos palcos do Vila, em sua versão definitiva, agora no Projeto: O que Cabe neste Palco, saindo direto para o VI Festival de Cenas Curtas- Galpão Cine Horto, do Grupo Galpão, em Belo Horizonte, onde sou o primeiro baiano selecionado! Lá o espetáculo tem ótima aceitação, sendo elogiado pelo público e crítica mineira!


De volta a Bahia continua a romaria percorrendo Festivais de Teatro e temporadas. Em novembro de 2005, em Conquista, participa da Programação de Inauguração do Espaço Atuar, da querida mestra Sônia Leite. [ http://www.uesb.br/ascom/ver_noticia_.asp?id=919]



Sem esfriar o caçuá, em janeiro de 2006, participa do Festival Ipitanga de Teatro, em Lauro de Freitas, e ganha o Prêmio Revelação - Profissional de Teatro.  Retorna aos palcos baianos com temporadas no Teatro Gamboa em Salvador, dentre outros espaços.


Em 2008, comemorando os 10 anos do Caçuá, ganha o PRÊMIO JUREMA PENNA - Edital de apoio à Circulação de Espetáculos de Teatro, no estado da Bahia, promovido pela Fundação Cultural do Estado da Bahia – FUNCEB, e Secretaria de Cultura, com o Projeto:Água Mole em Pedra Dura... 10 anos de Caçuá aqui e Acolá”, percorrendo cinco cidades entre o interior baiano e a capital, apresentando o espetáculo, oferecendo oficinas e debates do MOVAI- Movimento de Valorização do Artista do Interior, para a comunidade e artistas locais. A verba do Prêmio era para percorrer até 3 cidades no interior, mas o Projeto percorreu 5 entre zona rural e urbana! Nesse ano também, participa do Marco do Teatro e Circo no Espaço Xisto Bahia em Salvador.






Hoje, em 2017, depois de muitas estradas, idas e voltas, ( para saber mais sobre as minhas aventuras e trabalhos na arte e na vida é só olhar ai no blog...) o Entre a Cruz é selecionado para o  Polo Teatral- Festival de Teatro do Interior da Bahia, com patrocínio da Braskem e do Ministério da Cultura.



Na época que estreei, e até recentemente, na Bahia, não se falava em Prêmios para o Teatro do Interior. Salvador acaba sendo a única nomenclatura para se referir ao teatro baiano, em meio aos 417 Municípios espalhados pelo estado e tantos coletivos e artistas teatrais porretas e qualificadxs! Salvador sozinha não é a Bahia! Quem não lembra que até os valores para os editais de montagem eram diferentes entre capital e interior?!...

Agora revendo o material do Entre a Cruz junto as discussões do MOVAI percebo que a relação da cultura e arte no interior baiano, a relação com os artistas e profissionais das artes em suas cidades e com o poder público local, e a ausência de políticas públicas culturais para o interior são inexistentes ou pouco expressivas, sobretudo, para quem não faz uma arte meramente comercial.

Para se ter uma ideia real, se fossemos depender da ajuda do poder público e empresariado conquistense, e se não tivesse corrido atrás do apoio da Funceb- Fundação Cultural do Estado da Bahia, através do Professor Armindo Bião, na época Coordenador Geral, não teríamos participado do Festival Cenas Curtas em BH!!

E agora, Secretaria Municipal de Cultura de Vitória da Conquista, o que você me diz, dessa vez?! Pausa Dramática...

O Entre a Cruz é inevitavelmente, fruto de Festivais e Projetos de Incentivo e Fomento ao Teatro, e de um trabalho árduo pelo Teatro do Interior da Bahia e a Cultura Popular.

É necessário que projetos como o Polo Teatral, o Teatro de Cabo a Rabo, o Festival de Cenas Curtas Galpão Cine Horto existam e aconteçam para viabilizar a existência de novos trabalhos e movimentar a produção teatral, principalmente onde ela não chega!

A Programação do Polo Teatral começa dia 14 de fevereiro e estaremos nos apresentando nos dias 17 e 18 de março, as 20 horas, na cidade de Camaçari, para celebrar a cultura e teatro popular do Interior! De Conquista, ao todo, foram três espetáculos selecionados!

Temos que comemorar e mostrar novamente, e sempre, a força, resistência e qualidade do nosso trabalho!

Veja a Programação completa do Polo Teatral nos links:

Acompanhe agora, na postagem abaixo, com foi a nossa participação no Cenas Curtas e a potente experiência que tanto nos inspirou! Axé, Evoé e Merda! Mais Estradas, cultura e arte para nós!!


Entre a Cruz, a Espada e a Estrada em Belo Horizonte, no Festival do Grupo GALPÃO-
Ou a Balada de um louco pela arte popular- Relatório para a FUNCEB


Fomos selecionados para participar do VI Festival de Cenas Curtas Galpão Horto, que aconteceu entre os dias 23 a 26 de junho de 2005, em Belo Horizonte, Minas Gerais, com o trabalho: Entre a Cruz, a Espada e a Estrada- Como nasce um artista Sertanejo.

Apesar da alegria de ser o único representante do Nordeste neste Festival não tínhamos como custear os gastos com as passagens, hospedagem, alimentação e produção desta empreitada.
Recorri a várias entidades culturais, empresários e políticos da minha cidade interiorana que dizem ser os incentivadores da cultura e arte locais e mesmo assim, não obtive êxito.


Enviei então uma solicitação a Fundação Cultural do Estado da Bahia que atenciosamente prometeu me ajudar, custeando a minha ida a Belo Horizonte, efetivando a minha participação no referido Festival.

O Festival começava dia 23 de junho e tínhamos previsto sair de Salvador no dia 24, inclusive para diminuir os custos da viagem.

Só que até a véspera de São João a ajuda de custos não saíra, o que me preocupava.

Pedi aos Santos Juninos que olhassem por nós e nos levassem até o Festival! Na semana da viagem estive na Fundação Cultural e o pessoal garantiu que a ajuda sairia a tempo!

Decidi com o pessoal do Grupo se o dinheiro não saísse até o dia 23 de junho não poderíamos ir, pois era feriado e dificultaria tudo.

Não obstante, já meio desanimado fui conferir e a ajuda de custos tinha saído! Mal pude acreditar! Saí louco para comprar as passagens e providenciar o que faltava, pois, dia 23 já estava o comércio todo fechado, devido aos festejos juninos!
Nesse corre-corre conseguimos um voo com desconto, que ficou igual ao preço das passagens terrestres e corremos para arrumar nossas malas e caçuás. Como o voo era promocional seu horário seria as 04:55 da madrugada, mas era a única maneira de chegarmos e não perder mais um dia de festival.

Saímos da Residência Universitária da Ufba, no Corredor da Vitória, no último ônibus coletivo para o aeroporto. Imagine aquela tralha toda no ônibus? Dois caçuás grandes, três sacos de linhagens com manivas e esterco de vaca, além do zabumba, santos, oratórios e estandartes nas nossas bagagens...
Quando chegamos no aeroporto não tinha quem não olhava para gente!
Até o horário do voo deu tempo para pensar, anotar tudo até embarcarmos!


Chegamos pela manhã no Aeroporto de Confins e imediatamente pegamos um ônibus para a capital mineira.
Ficamos hospedados no Hotel Zac onde todos os participantes estavam acomodados.
Era hora de descansar para à tarde conhecer o teatro e o pessoal do Galpão. Fomos muito bem recebidos pela Fernanda da Agentz, produtora responsável pelo Cenas Curtas.
Conversamos rapidamente pois estava tendo ensaio no teatro, das apresentações daquele dia.


A noite fomos assistir as cenas do dia, ou melhor, da noite. Cada noite era apresentada quatro cenas, como segue a programação em anexo. A minha apresentação seria a primeira do domingo, dia 26 de junho, último dia do festival.

Quanto ao festival, tudo me impressionou pela organização, competência e principalmente o carinho de toda a equipe desde a organização do festival, as equipes do teatro, aos trabalhos de ruas...
No dia 24, à noite, assistimos ao Festival.




A cena Pelo Cano de São Paulo e de criação de Paola Musant e Vera Abbud, conseguiu tirar muitos aplausos da plateia com dois clowns fazendo evoluções com dois canos flexíveis. O Chapéu, outra cena, só que do Rio de Janeiro, chamou muito a atenção pela proposta da releitura do clássico infantil Chapeuzinho Vermelho, numa performance moderna, estrategicamente marcada em movimentos e trocas de elementos cênicos que transformavam as duas atrizes nos personagens da história infantil com todos requintados de humor, erotismo e crítica.
O nível e a variedade das cenas estavam bem equilibrados!


No sábado, os destaques foram as cenas Felicidade de Nuvem, de Belo Horizonte e O Espectador do Rio de Janeiro. A primeira, um texto extremamente poético e uma interpretação precisa do elenco conquistaram a plateia onde o mínimo é sempre o máximo. Já em O Expectador o texto muito bem escrito tornava a relação entre uma expectadora, após ver um espetáculo, e uma atriz numa discussão metafórica de um longo relacionamento amoroso entre plateia e artista.
E chega o bendito dia!

Logo pela manhã marcamos os objetos de cenas, passamos a luz, delimitamos o espaço e ensaiamos a apresentação. A equipe do teatro era impecável e não reclamava de trabalho! A organização era tamanha que tínhamos horários pré-determinados para tudo!
A minha cena, por exemplo, era cheia de elementos, a começar pelo cenário, uma cruz desenhada no chão com manivas e os banhos sugeridos de farinha, sangue e água pendurados em sacos espalhados no palco.

E a noite demorava a chegar!
Mas tudo pronto!
Começamos a cena recebendo as pessoas na entrada cantando as chulas e cânticos de reis da nossa região. A multidão toda entrou no clima da cena e não se intimidou e nos acompanhou como podia, cantando ou dançando alegres.


Ao ouvir a voz que anunciava as apresentações da noite, entramos em cena realizados, levando conosco toda alegria e cultura da Bahia, do sofrimento e resistência dos artistas interioranos e populares, e a força da nossa tradição catingueira!

Foi mágico e os aplausos confirmaram a identificação do público com a estória do artista sertanejo para realizar seus sonhos de gente e de artista popular frente a esse mundo louco.
Após a apresentação, subi para apreciar as outras cenas restantes.
O público também vibrou com O Homem Elefante Marinho Adestrado, de São Paulo, onde um ator interpretava personagens de um espetáculo infantil utilizando muita criatividade para suas composições.

No camarim muitos comentários sobre o nosso trabalho, considerações a respeito da composição e integração da cultura popular, dos atores músicos, “da sinceridade”, como muitos repetiam sobre o que sentiram ao ver o Entre a Cruz.

No final muitas saudades, comprimentos e abraços aos mineiros e paulistas que participaram do festival!
Nossa participação fez renovar a nossa crença numa arte popular feita fora do eixo da capital baiana que resgata a nossa cultura no seu repertório.
Voltamos para Salvador no outro dia, a tardezinha.


A viagem de ônibus trouxe muitas reflexões, até mesmo quando no ônibus “um louco” queria quebrar a janela e agredir os passageiros. Aparentemente ele era uma pessoa “normal”, mas em dados momentos se incomodada com alguma coisa e começa a gritar e bater na janela e agredir os passageiros. Após duas tentativas de quebrar a janela aos murros, e de Fabiana Araújo, do Caçuá, que estava sentada ao lado dele, quase morrer do coração, o ônibus parou e ele acabou sendo levado pelo Serviço Médico de uma cidadezinha à beira da estrada, tranquilizando a todos.
Será que ele era mesmo “louco”? O que é esta tal sanidade? Somos normais diante desse mundo tão enquadrado?

Voltei para casa com aquela cena na cabeça, pensando que muitas vezes somos loucos e sós, incompreendidos na nossa arte e possibilidade de ver o mundo de outra forma.
Um homem sozinho conseguiu mobilizar um ônibus de cheio de pessoas.
O que podemos fazer utilizando a força da nossa arte? Seremos jogados para fora como “o louco” do ônibus?  O que nossa arte representa para aquelas pessoas do ônibus? E para tantas pessoas da minha cidade e Estado?

Quero um sentido para a minha arte! Quero poder levá-la para muitas pessoas, poder tocá-las com uma mensagem de reflexão e mudança que ultrapassa o divertimento banal e comercial.
Acham que sou louco?! (...)

Gostaríamos muitíssimo, não de agradecer, mas de parabenizar a sensibilidade de todos que colaboraram para a nossa participação no VI Festival de Cenas Curtas Galpão Cine Horto, desde a comissão a toda produção do festival, ao meu grupo que sempre deu o sangue e acredita no nosso trabalho, apesar de todas as dificuldades possíveis e imagináveis.


Gostaríamos de um agradecimento especial a Fundação Cultural do Estado da Bahia, que sem o seu apoio não poderíamos representar a nossa região em tão importante festival!
Nunca nenhum baiano tinha participado do festival, principalmente, sendo respaldado por um Instituição Cultural de Salvador.

Agradecimento especial ao professor Armindo Bião a Ana Margarida pela atenção e sensibilidade! E a todos os santos que nos acompanharam e nos acompanham neste cortejo popular de levar a nossa verdade contida na nossa arte a tantos lugares e pessoas que precisam se valorizar e valorizar a sua cultura, diante de uma realidade tão consumista, que ignora a tradição para dar vazão a uma modernidade vazia e passageira.

Gostaríamos na oportunidade de apresentar este espetáculo em Salvador, no Espaço Xisto Bahia, para que os baianos e soteropolitanos se orgulhem dos seus artistas e trabalho.

Pedimos ao Professor Armindo Bião, na pessoa da Fundação Cultural do Estado, uma oportunidade de apresentarmos, ainda neste ano, completando mais um percurso e continuando com a nossa novena teatral rumo a outros palcos e lugares.
Buscamos algumas pautas nos teatros de Salvador, mas todos estão ocupados com grandes produções da capital e não iriam abrir nenhum precedente para um trabalho pequeno, simples e do interior baiano.
Acham ainda que sou louco?!
Às vezes a realidade só permite os lúcidos, os mais reconhecidos e patrocinados.
Mas nós vamos chegar lá! Se Deus quiser!
Louvado Seja Nosso senhor Jesus Cristo!

Marcelo Benigno
Vitória da Conquista, 08 de julho de 2005.

Foto- Márcio Lima
Entre a Cruz no Teatro Vila Velha em Salvador.


FICHA TÉCNICA DE TODOS OS TEMPOS

Texto, concepção, atuação e direção- Marcelo Benigno
Co-direção- Marcelo Souza Brito
Assistente de Direção- Francisco André
Direção Coreográfica- Aroldo Fernandes
Figurino- Jonhy Karlo e Marcelo Benigno
Cajado e vassoura de Seu Belo- Osnir Amorim
Camisas do espetáculo- Renato Oliveira
Músicos atuadores- Eudes Cunha,Vinícius Marques, Fabiana Araújo, Aline Amorim, Francisco André, Jefferson Souza, Kleyton Andrade
Iluminação e Operação de luz- Rivaldo Rios, Maick Barreto
Gravação do texto e trilha- Stúdio do Vila- Jarbas Bittencourt
Operador de Som e Cenotécnico- Carlos Santana, Judá Cabral
Fotografia- Márcio Lima
Projeto Gráfico- André Bonfim
Assistentes de Produção- Temporada do Prêmio Jurema Penna: Conquista-Thiago Carvalho;  Feira de Santana- Celly Rodrigues; Itambé- Zizi Ferreira; José Gonçalves- Legião de Maria- Comunidade Imaculada Conceição; Valença-Ana Cláudia Machado- FACE; Salvador- Grupo Caçuá de Teatro
Produção Executiva e Pau Pra Toda Obra- Marcelo Benigno

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