quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

RETROSPECTOS CONQUISTENSES REGADOS A SIDRA, PANETONE E CICUTA


Queridos amigos conquistenses,
Para acalentar as discussões e questionamentos recentes na Cidade das Rosas, publico aqui um  texto de 2001/2002 que reflete o momento que estamos revivendo, repassando, retransmitindo em   nossas cabeças, histórias e memórias. Para bom entendedor meia palavra basta! 
Tá registrado e ainda não esquecemos! Não esquecemos! Não esquecemos
Fica a dica, memória de artista de teatro é difícil de apagar ou esquecer!
MOVAI- Movimento de Valorização do Artista do Interior! 
Boa  re-leitura!!

                                                                                            Bob Marley


RETROSPECTOS CONQUISTENSES REGADOS A SIDRA, PANETONE E CICUTA*
                                                                                             Texto escrito e divulgado em 2002


Mais um ano se passou e com ele aquela sensação de dever cumprido, de ter conseguido vencer mais uma etapa da vida, de ter passado (ou perdido) de ano, ter consumido mais do que devia empolgado com o espírito natalino, etc. etc, etc. O Especial de Fim de Ano da Globo foi um sucesso, o Roberto cantou, a Ana Maria Braga chorou, tudo muito previsível para os normopatas que se enquadram nos padrões éticos e morais da nossa sociedade. E enquanto isso na Sala de Justiça, quer dizer, do lado de cá, a realidade está cada vez mais fria e cruel.
Nossa cidade continua a mesma, com os mesmos problemas e as mesmas soluções. Graças a Deus que eu não sou político, pois a ceia natalina certamente estaria engasgada até hoje.

E o que mais marcou o ano de 2001 em Vitória da Conquista? Se algum repórter desses de final de ano tivesse me perguntado, responderia com um sorriso amarelo equilibrando meu triangulo no ponto de ouro da câmera e diria sorrindo:

- Três coisas marcaram este ano!


A primeira delas foi quando artistas de teatro legitimamente conquistenses invadiram uma “Sessão Especial sobre Cultura” na Câmara dos Vereadores, entoando, num cortejo dionisíaco, ditirambos e reivindicações aos Césares da nossa Roma, de pouco pão e nenhum circo, que atônitos pareciam nunca terem visto uma performance de tal tipo. A arena questionava e fazia acusações enquanto a culpa e abandono à cultura e arte conquistenses tornaram-se evidente nos discursos inflamados e vãos do poder supremo. Até hoje espera-se soluções daquele inusitado encontro que serviu para... serviu para quê mesmo? Falar o óbvio? Escutar o previsível? Misturar arte e política?

A Segunda coisa ou fato marcante de 2001 foi ser comparado a nada. Desculpe caro leitor, mas foi exatamente isso! Para se entender melhor esse drama da vida real façamos uma parábola. Suponhamos que vossa senhoria precisasse fazer uma operação muito delicada e que dela dependesse a sua vida. Você não tem Plano de Saúde e está desesperado, a quem você recorre? A um veterinário? A um açougueiro? Ou a um médico amigo? Tensão dramática (...) É claro que a um médico e dos bons, com diploma e tudo, e que saiba manejar muito bem o bisturi, senão você morre, vai dessa para a melhor, bate a caçoleta...

Sinto informar, caro leitor, mas infelizmente você morreu. (Tom fúnebre).

O que aconteceu? É simples: o açougueiro desceu à dispensa, vestiu-se de médico com bisturi, touca e luva e zás... assassinou um pobre inocente alegando necessidade de emprego. (Epílogo).


Esta história acontece com o artista de teatro todos os dias aqui em Conquista. Aconteceu no “Natal da Cidade” promovido pela Prefeitura, que por sinal foi muito bonito, legítimo, quando a comissão organizadora do evento decidiu tirar o médico e colocar o açougueiro na programação teatral do evento, programação esta remunerada e esclarecida num edital aberto sem a exigência de um registro profissional sequer provisório dos participantes. Ai a arte transforma-se em mais um enlatado a venda em qualquer vendinha da cidade. O público presente pode maravilhar-se com uma apresentação amadoresca, previsível e sem o brilho de um natal sertanejo e catingueiro que vivemos. E essa não é a minha opinião. Nota-se que para a Programação Musical exigiu a Carteira Profissional de Músico e porque não, a careira profissional do ator e diretor teatral?!



Ser profissional em Conquista não basta, só serve quando é para administrar cargos políticos ou coisa parecida, ou quando se é de fora da cidade. E aqui todo mundo pode “operar”, até você caro leitor! Com um ou dois cursos por correspondência ou algumas aulinhas com um açougueiro mais experiente, você torna-se um Açougueiro de primeira, com prêmio e tudo!


Aqui, arte é só entretenimento ou trâmite político para a divulgação e incentivo dos valores artísticos e culturais da nossa cidade e região. CLAP, CLAP. CLAP!!!

Talvez eu não sirva para nada mesmo e meu currículo, junto a minha formação acadêmica, ainda em curso, muito menos.

Cuidado, caro leitor! Os açougueiros estão soltos, e quando não matam, roubam sua alma e sonhos, que é pior que a morte! E pior que a morte também é vender sua própria alma. Mas ainda bem que dignidade não se compra. Ufá!! (Será?!)

E a terceira e última coisa estupenda que me lembro foram as palavras de um aluno do projeto “ARTE PARA A COMUNIDADE” o qual é gratuito, feito inteiramente sem recurso e mantido pela iniciativa dos artistas envolvidos. Ele me disse que o teatro o ensinou a ter esperança na vida e confiança nele.

Essa imagem recordarei por todo o ano e espero que essa esperança também seja encontrada no trabalho, na família, na igreja, e na vida de cada um. Esperança que hoje não é mais verde, é branca de paz, amadurecimento, transparência.

Chega de consumismo exacerbado no fim de ano! Abaixo os panetones e árvores de Natal nevando num país tropical de acarajé e mandacaru! Chega de inculturações desnecessárias e televisivas que escravizam o homem de bem. Queremos respeito!


Só me resta agora, um brinde!
Do que mais lhe for merecido, sirva-se!
Avante 2002!!!!



Marcelo Benigno é ator, professor de teatro da UESB, e estudante de Artes Cênicas na UFBA.

*Texto escrito e divulgado em 2002.


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