terça-feira, 17 de maio de 2016

“MUNDO ADENTRO VIDA AFORA” Retrospectos do Curso de Extensão HomoEros e da Anatomia do Fauno em mim!

Terminou neste fim de semana o Curso de Extensão HomoEros promovido pelo Coletivo do Anatomia do Fauno e pela SP Escola de Teatro.
Programação do Curso de Extensão Homo Eros.
Durante doze encontros, realizados entre os meses de abril e maio, muitas leituras, debates, mesas sobre o universo da diversidade, do gênero, da performance, teatro, literatura, arte, cinema e cultura queer e gay, permearam as reuniões, buscando reflexões e pontos de apoio ou linhas de fuga para partidas e proposições que desenhassem um novo cenário ou cena a ser investida e exposta mais e mais!

Danilo Patzdorf  e sua bomba relógio de gozo.
A programação foi extensa e com um público bastante diverso, de palestrantes a participantes, para ser desdobrada para outros tantos encontros e debates, passando pelo relógio bomba de Danilo Patzdorf – “Um mapeamento da teoria queer”; à aula rememorada no discurso e prática do professor e diretor do TUSP, Ferdinando Martins – “Teatro e Sexualidade em São Paulo”. Seguimos com Alexandre Rabelo, dramatugista do “Anatomia”, com “Corpo, imagem e som na construção narrativa” já introduzido anteriormente, para encontrar com Rafael Guerche (diretor de “Meninos também amam”), Paulo Arcuri (diretor de “Dizer e não pedir segredo” e “Orgia”) e um encontro de 19 anos depois do “Assassinato do Anão do Caralho Grande” 1997-1998, dirigido por Marco Antônio Rodrigues, com direção musical premiada de Dagoberto Feliz (diretor de “Cabaré Falocrático”) nessa “Homoafetividade e Homoerotismo no Teatro, buscando as peças ”irmãs” num possível catálogo de peças queer, de diversidade ou gênero e afins na capital paulistana.

Prof. Ferdinando Martins – “Teatro e Sexualidade em São Paulo."

“Homoafetividade e Homoerotismo no Teatro."

Continuando com a extensão nos transformamos com “A representação de transgêneros no teatro” com a fala transmutada de Dodi Leal, seguida de Luiz Fernando Lubi (Grupo XIX de Teatro) e Cecília Schucman ((Im)Pertinente Trupe ConTrastes- Godofredo & Alice) respingando na produção fora de São Paulo como em Recife e Salvador nas minhas conexões imediatas com minhas labutas e andanças com o teatro de grupo no interior da Bahia ou em Jequié, no trabalho do Grupo de Pesquisa Gap-Motus - Grupo de Ações Performativas Motus,  do querido amigo Aroldo Fernandes, reverberando outros nichos de ação fora do umbigo paulistano e carioca ao qual frequentemente se fala.

Alexandre Rabelo mediando a mesa "A representação de transgêneros no teatro"
com Dodi Leal, Luiz Fernando Lubi e Cecília Schucman.

E entre tantas “Cartografias do cinema LGBT” com Lufe Steffen, Rodrigo Gerace, perdemos Christian Petermann numa despedida sem roteiro. Vestimos utopias e tiramos os figurinos com os Profissionais da Anatomia do Fauno e descontruímos “o corpo para além gêneros” com o Fauno Mor Marcelo D’Avilla, culminando numa performance prática dentro e fora da SP Escola e na Praça Roosevelt.

Depois de tanta teoria, o corpo pedia ação e movimento, pois resignificar o que se troca se torna essencial em tempos de ressarcimentos ideológicos e golpes políticos num país ainda tão afoito ao diferente, ao que foge à regra e ao padrão.

Dia de Vestir Utopias com a Equipe Visual e de Arte de Anatomia do Fauno.

Pensamos no espaço da Rua como mote e criamos situações, roteiros e cenas para uma possível dramaturgia em espaços urbanos onde o que permeava o universo de cada participante, em algum momento, tomasse forma e vida, performando, filmando, registrando de alguma forma, além dos seus extratos e memória. Marcelo Denny trouxe seu livrão ambiência de imagens que estimulou a obra do fauno, deleitando-nos com centenas de imagens e o requinte de um artista visual para a cena da performance-espetáculo em cartaz.

A atitude do Coletivo do Anatomia em propor um desdobramento da obra, neste Curso de Extensão, não como mera contrapartida de sua temporada,(já falei sobre a potencia desse trabalho aqui no blog: 
http://marcelobenigno.blogspot.com.br/2016/04/sem-teorizar-anatomia-do-fauno-uma_16.html) e o acolhimento da SP Escola de Teatro são plausíveis e necessárias!

Vivemos num lugar onde pouco se discute os processos criativos das obras artísticas (ou não), e onde se pouco estuda e pesquisa a fundo para contextualizar a prática de cada um. Em se tratando da área das artes da cena e performativas, ligadas as áreas do conhecimento, tudo se amplia e qualquer um bem-aventurado se torna um expert da noite pro dia, se intitulando “artista”, “performer” ou “artista pesquisador”. Como se diz lá na Bahia, tem que comer muito arroz com feijão para se tornar um verdadeiro profissional das artes ou "artista" nesse país e sofrer ainda muitos bons bocados e anos de janela para algum mérito conquistado com muito suor e sangue. Há um excesso de teoria sem prática que tenta subjugar vivencias ou uma normose acadêmica afetada de meritocracia produtivista que não serve pra nada! Falta engajamento político, artístico e social e numa atual crise, onde performar e atuar na rua, expondo sua opinião pode custar uma perseguição e até sua própria integridade, viver e performar tornou-se algo com um preço bastante caro e perigoso. Quem está disposto a pagar?! Num país que se diz laico, de liberdade de opinião manipulada, arte cassada, Ministério da Cultura extinto, o que se torna importante e urgente, hoje?!

"Cartografias do Cinema LGBT." Marcelo Denny, Alexandre Rabelo, Christian Petermann, Lufe Steffen.
Despedida sem roteiro de Petermann.

A provocação dada no Curso de Extensão é para somarmos os possíveis ecos para que a discussão e ações não se estanquem e saiam das paredes das salas de ensaio, das universidades e escolas, das teses mofadas em arquivos para a prática das ruas, dos projetos e outros coletivos espalhados por este Brasil, que é tão grande, tão diferente e igual.

Material de Divulgação da Temporada.

A violência brutal que sofre diariamente pessoas trans, gays, lésbicas, mulheres e todas as minorias e todxs aquelxs que não se enquadram nesse padrão heteronormativo judaico cristão brasileiro é assustadora, e não é cena, assim como a crescente onda de conservadorismo e ataque ao que se é diferente da opinião e costumes alheios. Por isso tornar a performance, o teatro e a arte mais reais e presentes na vida das pessoas, transformando-as, torna se imprescindível!!

Antes que tudo isso sucumba e acabe com as nossas forças e ideais, gostaria de agradecer a Marcelo Denny, Marcelo D’Avilla e a Alexandre Rabelo (que segurou o tranco o tempo todo), a meus colegxs de encontros, aos participantes das mesas e a SP Escola de Teatro por essa troca incrível, potente e necessária. Precisamos instrumentalizar o nosso discurso de conhecimento e prática! Precisamos acreditar na força da arte, da cultura e da educação! Precisamos não parar!

Espero que possamos ainda continuar nessa troca, e que a Anatomia do Fauno e esta discussão voltem logo a cartaz para dar voz a tantos corpos e discursos de urgente performance e ação!

Meu abraço e xero a todxs!

Axé, Evoé e merda! Só a arte salva!

“Armei-me contra a justiça.
Fugi. Ó bruxas, ó miséria, ó ódio, meu tesouro foi confiado a vocês!
Consegui apagar do meu espírito toda a esperança humana. Para estrangular toda alegria, dei o bote surdo da fera. Chamei os carrascos para, morrendo, morder a coronha de seus fuzis. Chamei os flagelos para sufocar-me com a areia, o sangue. A desgraça foi meu Deus. Deitei na lama. Sequei no ar do crime. E preguei boas peças à loucura.
E a primavera me trouxe o medonho riso do idiota.
E ultimamente, estando quase ao ponto de dar a minha última nota falsa!, pensei procurar a chave do antigo festim, onde reencontrarei talvez o apetite.
A caridade é esta chave. – Esta inspiração prova que sonhei.”
“Uma Temporada no Inferno”, Capt 1 – Uma Estadia no Inferno, Arthur Rimbaud.

PS: As fotos nesta postagem foram compartilhadas das redes sociais dos amigos e participantes do Laboratório HomoEros.

"Mundo adentro vida afora" é o título da obra do dramaturgo e escritor Antonio Bivar. http://www.lpm.com.br/site/default.asp?Template=../livros/layout_produto.asp&CategoriaID=638453&ID=526490
http://www.lpm.com.br/site/default.asp?TroncoID=805134&SecaoID=948848&SubsecaoID=0&Template=../livros/layout_autor.asp&AutorID=915535

sábado, 16 de abril de 2016

SEM TEORIZAR! ANATOMIA DO FAUNO: UMA EXPERIÊNCIA PRA SER VIVIDA SEM FIRULAS!



Assisti, sábado passado, na SP Escola de Teatro, a reestreia do espetáculo/performance Anatomia do Fauno dirigido por Marcelo D’Avilla e Marcelo Denny, e até agora estava pensando numa forma de fluir sobre. Quando assistimos algo potente, (pelo menos acontece comigo e alguns amigos) tentamos estabelecer conexões com as nossas leituras, citações e atravessamentos para facilitar a apreciação e fruição estética; ou vislumbrar os aspectos na produção artística; assim como, ver a obra de um viés bastante pessoal, como sendo nós, os autores da obra etc e tal; ou simplesmente escrever ou comentar livremente sem referências e amarras. Já aviso de antemão, que nesta tentativa de escrita poderá ocorrer essas linhas de fuga, em maior ou menor grau, mas que não conseguirá captar toda a plenitude desse acontecimento cênico que aqui se configura como EXPERIÊNCIA VIVA E LATENTE, e como tal, experiência não é conhecimento, (olha eu já buscando o meu atravessador, rs, salve Larrosa!) é vivencia, contato, cheiro, sensação, imagens que a ANATOMIA nos presenteia sem medo de orgasmos múltiplos ou repressão.

O trabalho do coletivo debate, de várias formas, um possível perfil de um homoerotismo contemporâneo e urbano, inspirados na obra de Rimbaud, na mitologia do Fauno e nesse universo gay e queer. Constituído como performance, mas estabelecido como espetáculo, a experiência se hibridiza das duas linguagens potentes para nos presentear, e trepa promiscuamente com ambas.

Nesse dia, numa plateia lotada e numerosa, formada em grande parte por homens, na sua maioria, gays, o palco vira espelho da realidade vivida por muitos ali, naquele quase meta teatro /performance da vida real. As imagens são lindas e oferece a plateia várias sensações.


No início, um prólogo nos é apresentado através de um filme, que conta “a história” do fauno que dará andamento a trama/cena/vivencia. Essa primeira parte, se configura numa apresentação desse sátiro mitológico, (com cenas belíssimas de caracterização do ser, atenção especial para o trabalho de Marcelo D’Avilla como Fauno Mor,) e sua entrada na cidade. Nesse ato você encontra um banquete de situações homoeróticas que norteiam o universo desse homem metropolitano, em busca de saciar os seus instintos mais primitivos. Há um tempo bastante dilatado nesse primeiro momento, com intervenções na tela de imagens, que às vezes, soam pedagogicamente e rubricam o que na ação já é muito forte e explicito!

Muitas imagens potentes que retratam esse universo gay aparecem em cena, desde a pegação, baladas, internet e a vida desse ser (des)constituído vem à tona, seguidas das possíveis consequências de uma vida desenfreada.

Fico imaginando como deve ter sido rico o processo de pesquisa e criação junto ao elenco em tantas situações vivenciadas por ele e por tantos. Um salve ou dedilhar de dedos para o dramaturgismo de Alexandre Rabelo, a direção de Denny e D'Avilla, cenografia assinada coletivamente e a fotografia de Hélio Beltrânio. Uau!!


Sem palavras e até sem roupas, mas com muitos gemidos e sons, o elenco formando por mais de 30 performers, segue a formatação de um perfil gay padronizado, (ora branco demais, ora malhado, ora barbudo...) exceto pela presença dos performers Felipe Ferreira Veniccio Barbosa (pra citar só dois exemplos) que rouba o foco e agrega discurso, qualidade e força a performance, por justamente quebrar com um padrão de beleza hegemônico imposto pelo gueto a qual estão inseridos e vistos nos catálogos virtuais e nas baladas “tops” paulistanas. Se a configuração do elenco fosse mais variada e mista, certamente daria outras leituras, com performers mais velhos, de outras etnias, ampliando o cosmo de relação e relacionados. Viva a diversidade das escolhas e discursos!


Depois de um primeiro ato escuro, lamacento e bem paulistano, entra o segundo apelidado de "Utopia", com a força brincante da festa para celebrar, não o sexo, a libido, mas o corpo e a vida! Aí me encontrei na felicidade brincante sem as culpas impostas por todxs, pois na brincadeira e no jogo perdemos qualquer tipo de rótulo e todxs somos iguais, sem tarjas e nem códigos. Esta parte é mais fluída, contagiante e colorida, mas não se enganem, muito ritualista e na tentativa de trazer de volta o fauno descaracterizado e perdido na selva de pedras.


Aviso aos Cyber Navegantes: Este trabalho é para ser visto sem nenhuma amarra, seja de preconceito, seja acadêmica, teórica, moral ou religiosa... A experiência ali proposta é pra ser vivenciada e talvez refletida, não somente como uma questão de gueto e gênero, mas, sobretudo, como uma questão ancestral e ritualística do fauno e sua descaracterização, frente a uma modernidade líquida e globalizada a qual encontramos nas grandes capitais. O espelho que reflete pode ampliar ou projetar a plateia dentro das imagens ali apresentadas, e num exercício voyeur, observar a plateia e suas relações com o que é exposto, sem pudores, pode ser uma opção bastante interessante também.


Todxs temos o nosso fauno, com suas especificações, vivências e sotaques, preso ou solto, domado ou catequizado, romântico ou sacana, monogâmico ou plural...

Acho um desafio fazer um trabalho desse, sobretudo, com um elenco numeroso, produção teatral constante e específica sem nenhum tipo de ajuda financeira ou patrocínio! Além de corajoso o elenco é, sem dúvida, a causa maior do trabalho que literalmente, acaba sendo a oração, confessório e festa dos envolvidxs nesta experiência catártica transformadora! Sem teorizar, o que há para se ver e acontecer depende unicamente dele! Não podia deixar de mencionar a presença da mulher em cena, representada por uma única performer do sexo feminino, Camilla Ferreira, que entra para mudar o rumo da prosa e direcionar o nosso olhar! (Tá vendo como é difícil falar sem falar demais?!)


Nesta punheta pós gozo deixo aqui as observações ou linhas de fuga teóricas para só apreciar este acontecimento visceral, visual e corajoso na terra Sampã, como diz o pessoal do Oficina. Numa crescente onda careta, conservadora e capitalista no país, Anatomia do Fauno, de sua forma, se configura num protesto dos corpos desse tempo! Há tanto brigamos por igualdade, liberdade e arte e pouco fazemos! Que sejamos mais politizados na defesa daquilo que acreditamos!

Preciso ver novamente o trabalho e deixar as amarras em casa, pois este sátiro que vos escreve também vem matando o seu fauno para tentar sobreviver na capital das oportunidades. Por isso a necessidade de uma experiência que possa manumitir a nossa ancestralidade e rito, junto aquilo que acreditamos, se faz urgente e necessário, a cada dia!


E como tudo na vida acaba, a Matrix chama de volta a Nave Xuxa os seus ciborgues tripulantes, numa espécie de deus ex machina gay contemporânea", causando em nós, um coito interrompido como numa trepada rápida marcada por aplicativo ou a sensação da busca por alguém que nunca chega e nunca acaba, e num Strike a Pose finale, somem todxs, de repente, no ar. Beijinho, beijinho, tchau, tchau!!

Vida longa ao(s) Fauno(s)! Que dessa experiência cada um tire o seu prazer, culpa ou libertação e continue a se formar nas relações com outrem, nos afetos, no amor, no sexo, que se juntam numa amálgama a nós criar, diariamente!

Merda, Evoé e Àse! Só a arte salva!


PS: As imagens desbundes que ilustram este texto são do fauno fotógrafo Hélio Beltrânio.

Serviço:
Anatomia do Fauno está em cartaz na SP Escola de Teatro – Sede Roosevelt — Sala R1
De 9 de abril a 16 de maio. Sábados às 23h e domingos às 19h.                                                               Duração: 100 min. Classificação: 18 anos. R$ 40

sábado, 12 de dezembro de 2015

EM FUSÃO: DERRETENDO COMO O GELO E ENSOPADO DE GOTEIRAS E CHUVA- "Maria que Virou Jonas ou A Força da Imaginação" da Cia Livre- teatro de verdade na plenitude da experiência! Para todxs que se TRANS formam!



Nesta semana tive o prazer de assistir ao espetáculo “Maria que Virou Jonas ou A Força da Imaginação” da Cia Livre, na Oficina Cultural Oswald de Andrade, em Sampa. A Oswald, como um eterno caso de amor antigo, insiste em marcar meus momentos, seja na audição ou temporadas do premiado e marcante "ASSASSINATO DO ANÃO DO CARALHO GRANDE", de Plínio Marcos, dirigido pelo querido Marco Antônio Rodrigues, que me retornou a SP em 1997/1998, rebatizando-me no teatro real e das possibilidades na metrópole, ou em cursos e oficinas que fiz por lá, além de ser palco de uma outra audição mais recente para ingressar na Fábrica de Cultura, como artista educador de teatro. Muitas memórias vividas nestas salas e corredores são ainda pulsantes em meus extratos, assim como o espetáculo que acabei de ver!

Dirigido por Cibele Forjaz e protagonizado por Lúcia Romano e Edgar Castro, Maria que Virou Jonas ou A Força da Imaginação é muito mais do que se propõe! A peça está em cartaz em São Paulo desde o início desse ano, comemorando os 15 anos da Cia Livre, com sua décima montagem! Estreou em fevereiro no Sesc Belenzinho, seguindo para uma temporada no TUSP, de março a abril, arrancando ótimas críticas e comentários!

Poderia começar a falar sobre o texto, a encenação, os atores, pois há muito tempo não via um trabalho de teatro, essencialmente potente e instigante: teatro como ele é! Assisti recentemente Mistérios Gozosos do Teatro Oficina, que é um Desbunde aos sentidos e acrescento Maria que virou Jonas nessas sensações também, por várias razões.

A escolha da temática que circula em torno de identidades, transexualidade, diversidade, além de forte, é urgente para a discussão em arte/vida! Por aí, a peça já ganharia notoriedade, mas o conjunto da obra a faz mais que uma obra passageira ou panfletária!


O texto escrito por Cássio Pires, se inspira na história do filósofo francês Michel de Montaigne (1533-1592) no ensaio Da Força da Imaginação, onde Marie vira Germain! Sim, é isto mesmo que você leu! Uma mulher ao se esforçar em saltar um buraco, desloca de seu interior um pênis escondido, ai começam as TRANS forma AÇÕES! Não preciso contextualizar mais para termos uma sinopse/conflito bastante instigante e atual! E não fica só nisso! A cenografia de Márcio Medina é um destaque à parte, além das músicas de Lincoln Antônio (sim, os atores cantam e dão um show, com um músico gato e talentoso, ao vivo!) e da preparação vocal para o canto, feita nada menos, pela diva cigarra Ná Ozzetti ( que luxo!!). Tudo isso não seria nada sem a potência TRAN formaDORa dos atuadorxs, (é bom que se diga!!) que agrega a obra uma qualidade pouco vista no teatro paulistano, recentemente!

Vejo em São Paulo muita gente que faz teatro! Teatro Musical Comercial, teatro de grupo, performance que se diz teatro, grupo novos, cursos novos, atores jovens que buscam sobreviver fazendo “arte” e brigam diariamente, por cada lei de incentivo ou edital; grupos antigos que exigem exclusividade e atenção... No meio de tantos solilóquios e afetações não sucumbir ao ego e aos guetos e conseguir realizar um trabalho bem feito e emaranhado no seu discurso/corpo/arte é realmente, uma proeza para poucxs!

Em cena essxs guerreirxs cênicxs conseguem, naquela sala TRANSnformada que ensaiei por quase um ano, “o Anão”, num corre-corre de 30 atuadorxs loucxs; fazer a mágica do bom teatro acontecer! Naqueles corpos o discurso se faz presente! Visceralidade, potência, organicidade! A presença de ambxs é forte e num espaço pequeno, ficou ampliada pela atuação compartilhada com a plateia, a cada olhar de perto, em arena, (salve o teatro popular e de rua!) muito e necessariamente íntimo, como as confissões ou o meta teatro ali acontecendo. E quantas imagens bonitas nos são presenteadas! Atenção para as sequências corporais e o trabalho de corpo coordenado por Lu Favoreto, que nos dá sequências lindas, e certamente um outro espetáculo à parte, ali presente!

Tudo casa perfeitamente bem, além da analogia de sensações que os atores criadores e a direção quiseram causar aos expectadores com a escolha dos materiais usados em cena, desde a tabela de cor a variados formatos reincidentes, às temperaturas, fusões e sensações que nos causam. “Fusão (física), um processo físico de transformação do estado da matéria.” Filhos da mãe!!!

Nesse jogo que está mais para Judith Buter que para Viola Spolin, a plateia ativa/passiva ou versátil escolhe quem faz quem, a cada dia de encenação. Assistimos neste dia a Neo Maria de Lúcia Romano e Jonas Couto de Edgar Castro darem vida, a ela e ele, ou seria o contrário?!

Como é bom para mim que sou também, meu discurso arte/vida no corpo, carregando todas as cotas quase como um condensado de bose-einstein, diariamente, ter o privilégio de ver uma obra tão requintada! Ora, o teatro, a dança, as artes da cena, do visual e do corpo, vivem de signos e imagens, ter esse cuidado ao presentear ao público, é uma delícia de se comer e salivar, desde o cenário aos atores...

Olha vocês pensando em sacanagem, opaió?! Tá pensando que travesti é bagunça?! Fora o bordão (des) contextualizado, infame e/ou oportuno, achar que a sexualidade e diferenças só giram em torno das/dos travestis de ruas, estereotipamente representados, há séculos, está muito enganadx! O universo da sexualidade e identidade de gênero está constantemente em ebulição, como o texto da peça que é navalhante, urgente e se faz necessário como discurso ou educação para todxs, professores, atores, médicos, cristãos, ateus, héteros, gays, numa temática que não deveria ser velada, tampouco marginalizada, mas de urgente discussão!

Impossível não se ver ali, recortadx naquele texto/discurso em situações reais e possíveis num mundo louco, diverso, cruel e desigual.

Lembrei de novo, da querida Claudia Wonder, pela musicalidade, força da peça e pela referência. Aos mais desinformadxs e para contextualizar este papo/texto/diverso, faz-se necessário saber um tiquim sobre Claudia Wonder. Vejam o documentário "Meu Amigo Claudia" de Dácio Pinheiro, 2013, [https://www.youtube.com/watch?v=159I5cQkbx4] onde a sipnose diz: “O longa conta a história de Cláudia Wonder, uma eclética travesti que trabalhou como atriz, cantora e performer nos anos 80, tendo feito muito barulho no cenário underground de São Paulo. Ela também ficou marcada pelo importante trabalho como ativista na luta pelos direitos homoafetivos.”

Antes de me derreter e modificar meu corpo e essência, e será que a essência muda?! indico a todxs  amigxs esta obra prima da dramaturgia atual! As duas horas sentado numa cadeira não tão confortável (queria um almofada forrada de plástico bolha ou em formatos e imagens sugestivas para me salvar) valeram a pena pelo (des) conforto ou júbilo que a peça pode causar. Como é bom perceber que ainda existem artistas que pensam na mensagem que levam seus cavalos, além dos prêmios e editais que ganham! Maria que virou Jonas é a fusão que precisamos para TRAns formar uma sociedade preconceituosa e limitada, que ainda aprende a lidar com o diferente, em pleno século XXI! A eterna diva Claúdia Wonder certamente estaria aplaudindo, de pé, este trabalho, assim como eu o faço agora, veementemente, em fusão! Bravo! Evoé! Por um teatro de verdade e TRANS forma AÇÕES!

“Não faço teatro para o povo, mas o faço em favor do povo. Faço teatro para incomodar os que estão sossegados. Só para isso faço teatro. ”  Plínio Marcos.



SERVIÇO
Corram Lolas, Corram!
A peça fica em cartaz até 17 de dezembro na Oficina Cultural Oswald de Andrade
Rua Três Rios, 363 - Bom Retiro - São Paulo - SP - Tel.: (11) 3222-2662
Terça (15), quarta (16) e quinta (17), as 20h.
Ingressos distribuídos uma hora antes.  E é Grátis! Dá pra acreditar?!

FICHA TÉCNICA
Dramaturgia | Cássio Pires Direção | Cibele Forjaz Atores-criadores | Edgar Castro e Lúcia Romano Direção de Movimento | Lu Favoreto Cenografia | Márcio Medina Figurinos | Fabio Namatame Luz | Rafael Souza Lopes Operação de Luz | Rafael Souza Lopes e Rodrigo Campos Direção Musical | Lincoln Antonio Sonoplastia | Pepê Mata Machado Treinamento Vocal para Canto | Ná Ozzetti Produção | Cia. Livre e Centro de Empreendimentos Artísticos Barca.
Duração: 120 minutos .  Recomendação: 16 anos. 

As fotos usadas nesta postagem são de divulgação do espetáculo e estão na página; [ https://www.facebook.com/espaco.casa.livre/?fref=ts]