sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Memórias Vivas do Viladança em mim! Para Cristina Castro e Cia!


Material de Divulgação do Grupo. Foto:Márcio Lima
Algumas memórias são tão latentes e fortes para a fruição e formação em arte que ficam conosco para toda vida! Durante minha passagem pela Escola de Teatro na Ufba, no corre-corre entre idas e vindas para Conquista, nas labutas do Caçuá, algumas experiencias artísticas (não muitas) me marcaram em Salvador, uma delas, sem dúvidas, foi o trabalho de Cristina Castro e o Viladança.

Para continuar a leitura dessa postagem, click no link abaixo para ouvir a trilha para sua leitura, depois de ler o texto, volte e viaje nas imagens:

CO2- Foto- Márcio Lima
Sempre fui apaixonado pela dança! Nas disciplinas obrigatórias na Escola de Dança eu sempre tirava nota máxima e vivia dançando e falando de dança com meus colegas dançantes de licenciatura, Emanoel Nogueira, Gilson Garcia, Ramona Gayão... e os bailarinos e coreógrafos, Aroldo Fernandes, Renato Oliveira, Clênio Magalhães, Iara Cerqueira, Jai Bispo, Emanoel Magalhães, o His, o Dimenti... Desde Conquista, com as primeiras oficinas que fiz com o Grupo de Dança da Uesb, coordenado por Beto Lima, com Aroldo, Dila, Adriana, Chefinho e tantxs outrxs, às deliciosas aulas de Ciane Fernandes com Bartenieff Fundamentals, além de todos os Contatos e Improvisação que fiz com David, Fafá, Hugo... na Bahia ou em São Paulo, que sou consumidor, admirador e amante fiel dela! Meu trabalho de ator e professor é corporal e vem primeiro pelo corpo! Recentemente, trabalhei em São Paulo com a Cia Aruanã que unia a dança, o teatro e o circo juntos, literalmente debaixo de uma lona, numa possível dramaturgia na preparação dos jovens artistas e as suas inserções pelas Danças Urbanas, Dança Teatro e Contemporâneo, e na Fábricas de Cultura no Jaçanã, fazendo jogos e improvisações dançados e jogados com grandes e pequenos. Assim vivo de Dançar a Vida na minha Pequena História da Dança.

Hai Kai Baião - Foto: Márcio Lima

Tive o prazer de poder trabalhar com o Viladança e produzir uma temporada em Jequié e Conquista com o inesquecível trabalho: "Sagração da Vida Toda"! O Viladança tinha acabado de chegar de Berlim e Cris e Brachi me convidaram para tal labuta e assumi o desafio! Foi uma experiência marcante para mim!

Encontrei meu diário de bordo, sobre este trabalho, e outro texto sobre a fruição de "Ulisses", quando Cris dançou junto, e posto logo abaixo.

Para vocês, meus queridxs, muitas felicidades e arte sempre para nós! Que as memorias mostrem a importância de valorizamos quem sempre fez e faz! Num país de amnésias e modismos falar de nós se faz necessário!!Só a arte salva! Andemos!!
O Viladança e o Caçuá de Teatro nasceram no mesmo ano, em 1998! VIVA!!
PS: As fotos que ilustram essa postagem são de alguns trabalhos inesquecíveis dx Viladança!


Sagração da Vida Toda - Foto: Márcio Lima
           Viladança no Sudoeste Baiano: 
        Oportunidade e experiências únicas!
  
Diário de Produção, quarta-feira, dia 25 de agosto de 2004.
Jequié-BA

Estou indo para Conquista. 
O calor é infernal, dentro do ônibus da Viação Cidade Sol, saindo de Jequié para a cidade do cineasta conquistense.
A paisagem, vista da janela do ônibus, é tipicamente sertaneja e me faz relembrar minhas constantes viagens e memórias em busca de uma arte mais acessível e perto de todos.
Sonho, devaneio ou utopia?!
Desta vez, a viagem é para fazer a produção da Companhia Viladança, um dos grupos residentes do Teatro Vila Velha, em Salvador, que apresentará no Sudoeste Baiano, nas cidades de Jequié e Conquista, com Promoção do Governo do Estado da Bahia, Secretaria da Cultura e Turismo, Fundação Cultural do Estado e da Diretoria de Música e Artes Cênicas, dentro do Projeto Circuladô Cultural, que leva os artistas da capital, ao interior baiano.

Material para a Temporada em Conquista e Jequié

Quando Cristina Castro e o produtor do Viladança, Danillo Brachi, me convidaram para fazer a produção do espetáculo Sagração da Vida Toda, desta companhia, fiquei inicialmente temeroso, pois a responsabilidade é muito grande em assumir a produção de um grupo tão importante e engajado com a dança na Bahia, sem falar na alta qualidade e premiações dos seus trabalhos.

Como não tenho medo de desafios, resolvi encarar esse trabalho, principalmente, porque já conhecia um pouco da história da companhia, no Vila Velha, e a sua trajetória vitoriosa, comandada pela coreógrafa e dançarina Cristina Castro.

O grupo é muito conciso e tem a cara e os sonhos de Cristina. Desta vez, eles não estavam em Berlim, cruzando, numa encruzilhada, com Ciane Fernandes, mas na caatinga baiana onde muitos, desconhecem o significado real das artes cênicas ou da dança, por falta de incentivos, projetos e de artistas engajados com uma arte menos comercial e mais presente na vida das pessoas.


Caçadores de Cabeças- Foto:Márcio Lima
Jequié é uma cidade antagônica onde a política comanda todos os interesses. A Cidade-Sol, como é conhecida, tem o privilégio de ter o teatro mais bem equipado do interior baiano, embora falte luz para clarear o cemitério de refletores abandonados e público, para encher todas as dependências daquele teatro.

Mas isso não nos intimida!
Cristina e o grupo estiveram presentes em todos os momentos, acompanhando (e fazendo) de perto, a produção.
E lá vamos nós, com panfletos na mão e os sonhos na cabeça, indo em escolas, faculdades, rádios e praças, divulgando o espetáculo como verdadeiros artistas que ensinam e aprendem com a sua arte e experiência.
O grupo está muito maduro e se completa com as características de cada um. Todos têm uma identidade forte, diferente dos demais artistas da capital que conheço, que aproveitariam essa turnê, no interior, para fazerem suas exigências absurdas de divas emolduradas, consagradas pela mídia, crítica, amigos e pseudo artistas da capital.

200 e Poucos Megabytes de Memória - Foto: Vera Milliotti
Na verdade, absorvi muito da ideologia do Grupo, nesses dias todos juntos, parecida com a vocação do Caçuá de Teatro, grupo que coordeno em Conquista, que junto com o Viladança completam seis anos de labutas e dores pela arte.

Chego em Conquista e mais corre-corre! Ver mídia na tv, agendar entrevista, mandar a iluminação para Jequié, convocar o público para o momento do espetáculo. Aqui, estou mais tranquilo, é minha cidade e o Caçuá está me ajudando na produção, apesar do Centro de Cultura também não obter iluminação própria, cenotécnico ou pelos menos, um contra-regra para auxiliar as produções que vem de fora.

O Projeto Circuladô Cultural, promovido pela Fundação Cultural do Estado da Bahia, é maravilhoso, entretanto, se os teatros do interior não forem profissionalizados, não adianta trazer as melhores atrações de fora, pois teremos muitos problemas pela frente. Outro dado relevante é a presença do Produtor local, que nesses casos, é fundamental e decisiva para o sucesso e proposta do Projeto. Se os artistas do interior não tiverem à frente destas produções, o teatro fica vazio, e o Projeto fracassa com a sua proposta.

Muvuca- Foto: João Meireles
E ainda dizem por ai que não existem artistas profissionais no interior, ou que eles não servem para nada!
Volto para Jequié.
Última apresentação nessa cidade. Ainda muito trabalho pela frente.
Fim do espetáculo. O público sai maravilhado com aquela sagração em cena. Muitos, nem imaginavam o que lhes esperavam, e a máscara da realidade dá vazão aos sonhos, a emoção, as lágrimas.

Saio correndo para recolher as fichas de avaliação do trabalho, respondidas pelo público. Sagração é o espetáculo do Vila que mais me toca. Paro, ainda respirando aquele ar e penso em mim, na minha arte e como ela tem contribuído e chegado ao público... 

E o Viladança não pára!
Hora de desarrumar o cenário de sonhos e encarar a estrada da vida. Serão 200 e muitos megabytes de memória nas cabeças da platéia. Caçadores de cabeças? Não, caçadores de sonhos, regados ao som de um Hai-kai Baião bem brasileiro! Nessa nossa Exposição Sumária, de artistas guerreiros, todo o nosso O2 e CO2, com Cinco sentidos e um pouco de miragem, estarão juntos, nessa busca de Ulisses incansáveis pela Sagração da Vida Toda, sem perder a força, os ideais,  e os sonhos.

Da Ponta da Língua à Ponta do Pé - Foto: Lígia Rizério

Em Conquista, as apresentações do Grupo, o público e workshops lotados, o encontro com os artistas da terra e colaboradores locais foi perfeito e inesquecível.
Certamente eles não esquecerão, por tão cedo, deste momento e do eco que vem da companhia.
Nem eu!

Parabéns Fundação Cultural!
Parabéns Cristina Castro!
Obrigado amigos e colaborados em Jequié e Conquista!
Valeu Viladança!

Outras Vilandanças virão e certamente, dividiremos os palcos da vida, para através da nossa arte, oferecer sonhos e possibilidades a todos, indistintamente, sem ser um ideal romântico e falso, mas real e transformador, que é a missão mais doce e difícil de artistas comprometidos com o seu público, com a sua arte e com o seu ideal.

Marcelo Benigno é ator, diretor do Grupo Caçuá de Teatro, em Conquista,  Licenciando em Teatro pela Ufba e produtor cultural de eventos que contribuem para a cultura e arte interioranas.


FRAGMENTOS DE POESIA URBANA, INSÓLITA E MODERNA
Ulisses e Cristina Castro (DANÇANDO!) juntos no Vila
José Ulisses da Silva - Foto: João Meirelles
A Cia Viladança reestreou o espetáculo José ULISSES da Silva na sexta-feira, dia 12 de agosto de 2005, no Teatro Vila Velha, em Salvador.
A reestreia tinha um gostinho a mais, pois a coreógrafa e coordenadora do grupo, Cristina Castro, estaria em cena dançando com a sua companhia, após um tempo só coreografando seus espetáculos. Não é preciso falar da força e beleza de Cristina em cena, que já esbanjava talento desde os tempos do Balé do TCA, do qual foi bailarina.
De lá para cá, os caminhos mudaram e já fazem sete anos de muitas conquistas, trabalho e contribuição da CiaViladança para a dança contemporânea na Bahia.


"Ulisses"- Foto: Juliana Protásio
ULISSES, se me permitem a intimidade, estreou no dia 12 de julho de 2002, no teatro Vila Velha, e se resume, ainda hoje, em muito mais que insólito, num conjunto harmonioso de aspectos positivos que compõem toda esta montagem.

Cristina consegue como coreógrafa, e agora como intérprete (criador X criatura), causar aquela sensação de bem estar na platéia. Muitos, como eu, ao sair do teatro, ficam inspirados e começam logo a reacreditar na vida, na poesia e em valores e sentimentos tão antigos e esquecidos por nós, sufocados pela massificação na nossa selva ou arena reais.

Em cena está toda a companhia, com a formação atual, com exceção do estreante João Rafael e da bailarina Maitê Soares, que já foi do Viladança e retorna para dançar ULISSES. O espetáculo impressiona pela pesquisa de movimento e dramaturgia, que aliada a várias seqüências viscerais de movimentos rápidos, sugere uma luta coreografada, estressante e repetitiva, reflexo dos nossos dias modernos, com suas relações rápidas e descartáveis construídas pela globalização da nossa sobrevivência, do abraço sem ternura ao consumismo exagerado, do mau humor constante e mordaz ao cotidiano mecânico e frio, do sexo rápido e decorado às lutas nossas de cada dia, que nos leva a labirintos, espirais confusos, estradas erradas, pausas fugidias de consciência... ou a andar em círculos em busca de soluções e saídas desse ciclo vicioso que renova, ou não, diariamente.

"Ulisses"- Foto: Juliana Protásio
Castro coloca em cena personagens que refletem o (in)consciente coletivo e suas relações de poder nos lembram Foucault, com figuras e personagens símbolos das nossas ideologias como o executivo capitalista que tudo quer, interpretado por Jairson Bispo, em excelente forma; o operário destemido, porém acuado de Rafael Neto; o andarilho urbano interpretado pelo ator-dançarino Danillo Brachi ganha uma construção contundente e divertida, ao vigor e impetuosidade de Sérgio Diaz e Bárbara Barbará, que diga-se de passagem, ela está com visual e cabelos arrojados, dignos de sua personagem. A doçura de Leandro Oliveira brinca com a força de Janahina Santos e Maitê Soares, que somadas a maturidade de Cristina, completam o ciclo de sentimentos aflorados em várias relações sugeridas e/ou desenvolvidas na trama apresentada.

Este trabalho é feito para bailarinos intérpretes, pois a maturidade cênica vem não só da perfeita execução dos movimentos, mas do clima vivido por cada história das personagens-pessoas-arquétipos que os bailarinos interpretam e dançam ou vice-e-versa, em cada seqüência.

José Ulisses da Silva - Foto: João Meirelles
Outro detalhe interessante é uso do vídeo em cena, que é preciso e necessário, sem as afetações daqueles espetáculos que só utilizam este recurso "para encher lingüiça" ou para adquirem conceito de pós-modernos e tecnológicos. Em alguns momentos ele chega a representar, para os mais intelectualizados, um alter-ego da coreógrafa que nos guia por esta história com seus pingos de poesia urbana. Será isso possível, no meio de tanta correria cotidiana?!

A luz, concebida por Fábio Espírito Santo, dá várias nuances de interpretação, principalmente quando o público não é mais platéia e sim palco. Pequenos focos são acesos em pontos estratégicos da platéia trazendo para dentro da cena, aos olhos e condução das personagens, as personas reais, que os assistem.Talvez esse seja um dos momentos mais reflexivos do espetáculo quando a coreógrafa "brechtianamente" em silêncio, pergunta para o público:

"E você, como se vê diante desse nosso mundo? Já se achou? Ou se perdeu?"

Isso ela já sugere, com os espelhos estrategicamente focalizando o público, numas das cenas iniciais, quando os dançarinos estão se vestindo. Somos o reflexo daquilo que queremos ser ou daquilo que os outros querem? Filosofia moderna!

"Ulisses"- Foto: Juliana Protásio

Sem mencionar a trilha sonora composta para o espetáculo com a direção de Jarbas Bittencourt (a menina dos olhos musicais e teatrais de Salvador) e Kico Póvoas. Esta trilha inclusive, está reunida em um cd a venda no próprio teatro.
Que ficha técnica, hein!!

Cristina Castro volta com todo gás e é novo e bonito vê-la em cena!

Ela está mais acostumada a se mostrar por detrás das suas obras ou aulas, como a seqüência que fez para a audição do Ateliê de Coreógrafos Brasileiros deste ano, ainda nesta semana, tirando aplausos calorosos e suspiros de todos os presentes, ilustres e anônimos, com mais um de seus fragmentos de sonhos e devaneios, emergidos de uma artista intrigante e de grande sensibilidade, que a torna, junto com seu guerreiro grupo, num dos grandes nomes atuais da dança no cenário nacional.

Que sua fábula moderna continue contagiando a todos, guiando-nos por este labirinto real onde a arte certamente é uma saída. As outras poderão estar em vários lugares, talvez bem mais perto do que se imagina, como diz a voz masculina em off, bem distante, já perto do fim do espetáculo:

"A resposta, cara, tá com você, dentro de você!"

Não foram exatamente estas as palavras, mas que a mensagem eu ?captei?, isso pode ter certeza que sim!

Merda para todos! Uma ótima Temporada!!

Marcelo Benigno não é crítico de dança e nem especialista da área, mas é público, e como tal sente, ri, se emociona e se inspira, construindo um diálogo possível e sincero entre a obra de arte e o expectador.

Aroeira - Foto: Márcio Lima

“Eran òrìsà, Ló gbe ‘wé o”

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