Assisti, sábado passado, na SP Escola de Teatro, a reestreia
do espetáculo/performance Anatomia do
Fauno dirigido por Marcelo D’Avilla
e Marcelo Denny, e até agora estava
pensando numa forma de fluir sobre. Quando assistimos algo potente, (pelo
menos acontece comigo e alguns amigos) tentamos estabelecer conexões com as
nossas leituras, citações e atravessamentos para facilitar a apreciação e
fruição estética; ou vislumbrar os aspectos na produção artística; assim como,
ver a obra de um viés bastante pessoal, como sendo nós, os autores da obra etc e tal; ou simplesmente escrever ou comentar livremente sem referências e amarras. Já aviso de
antemão, que nesta tentativa de escrita poderá ocorrer essas linhas de
fuga, em maior ou menor grau, mas que não conseguirá captar toda a plenitude
desse acontecimento cênico que aqui se configura como EXPERIÊNCIA VIVA E
LATENTE, e como tal, experiência não é conhecimento, (olha eu já buscando o meu
atravessador, rs, salve Larrosa!) é vivencia, contato, cheiro, sensação,
imagens que a ANATOMIA nos presenteia
sem medo de orgasmos múltiplos ou repressão.
O trabalho do coletivo debate, de várias formas, um possível perfil
de um homoerotismo contemporâneo e urbano, inspirados na obra de Rimbaud, na
mitologia do Fauno e nesse universo gay e queer. Constituído como performance,
mas estabelecido como espetáculo, a experiência se hibridiza das duas
linguagens potentes para nos presentear, e trepa promiscuamente com ambas.
Nesse dia, numa plateia lotada e numerosa, formada em grande
parte por homens, na sua maioria, gays, o palco vira espelho da realidade
vivida por muitos ali, naquele quase meta teatro /performance da vida real. As
imagens são lindas e oferece a plateia várias sensações.
No início, um prólogo nos é apresentado através de um filme,
que conta “a história” do fauno que dará andamento a trama/cena/vivencia. Essa
primeira parte, se configura numa apresentação desse sátiro mitológico, (com cenas belíssimas de caracterização do ser, atenção especial para o trabalho de Marcelo D’Avilla como Fauno Mor,) e sua entrada na cidade. Nesse ato você encontra um
banquete de situações homoeróticas que norteiam o universo desse homem
metropolitano, em busca de saciar os seus instintos mais primitivos. Há um tempo
bastante dilatado nesse primeiro momento, com intervenções na tela de imagens,
que às vezes, soam pedagogicamente e rubricam o que na ação já é muito forte e
explicito!
Muitas imagens potentes que retratam esse universo gay
aparecem em cena, desde a pegação,
baladas, internet e a vida desse ser (des)constituído vem à tona, seguidas das
possíveis consequências de uma vida desenfreada.
Fico imaginando como deve ter sido rico o processo de pesquisa e criação junto ao elenco em tantas situações vivenciadas por ele e por tantos. Um salve ou dedilhar de dedos para o dramaturgismo de Alexandre Rabelo, a direção de Denny e D'Avilla, a cenografia assinada coletivamente e a fotografia de Hélio Beltrânio. Uau!!
Fico imaginando como deve ter sido rico o processo de pesquisa e criação junto ao elenco em tantas situações vivenciadas por ele e por tantos. Um salve ou dedilhar de dedos para o dramaturgismo de Alexandre Rabelo, a direção de Denny e D'Avilla, a cenografia assinada coletivamente e a fotografia de Hélio Beltrânio. Uau!!
Sem palavras e até sem roupas, mas com muitos gemidos e sons,
o elenco formando por mais de 30 performers, segue a formatação de um perfil
gay padronizado, (ora branco demais, ora malhado, ora barbudo...) exceto pela presença dos performers Felipe Ferreira e Veniccio Barbosa (pra citar só dois exemplos) que rouba o foco e agrega discurso, qualidade e força a performance, por justamente quebrar com um
padrão de beleza hegemônico imposto pelo gueto a qual estão inseridos e vistos nos catálogos virtuais e nas baladas “tops” paulistanas. Se a configuração do
elenco fosse mais variada e mista, certamente daria outras leituras, com performers
mais velhos, de outras etnias, ampliando o cosmo de relação e relacionados. Viva a diversidade das escolhas e discursos!
Depois de um primeiro ato escuro, lamacento e bem paulistano,
entra o segundo apelidado de "Utopia", com a força brincante da festa para celebrar, não o sexo, a libido, mas o corpo e a vida! Aí me encontrei na felicidade brincante sem as culpas
impostas por todxs, pois na brincadeira e no jogo perdemos qualquer tipo de rótulo
e todxs somos iguais, sem tarjas e nem códigos. Esta parte é mais fluída,
contagiante e colorida, mas não se enganem, muito ritualista e na tentativa de
trazer de volta o fauno descaracterizado e perdido na selva de pedras.
Aviso aos Cyber Navegantes: Este trabalho é para ser visto
sem nenhuma amarra, seja de preconceito, seja acadêmica, teórica, moral ou religiosa...
A experiência ali proposta é pra ser vivenciada e talvez refletida, não somente
como uma questão de gueto e gênero, mas, sobretudo, como uma questão ancestral
e ritualística do fauno e sua descaracterização, frente a uma modernidade
líquida e globalizada a qual encontramos nas grandes capitais. O espelho que
reflete pode ampliar ou projetar a plateia dentro das imagens ali apresentadas,
e num exercício voyeur, observar a plateia e suas relações com o que é exposto,
sem pudores, pode ser uma opção bastante interessante também.
Todxs temos o nosso fauno, com suas especificações, vivências
e sotaques, preso ou solto, domado ou catequizado, romântico ou sacana, monogâmico
ou plural...
Acho um desafio fazer um trabalho desse, sobretudo, com um
elenco numeroso, produção teatral constante e específica sem nenhum tipo de ajuda
financeira ou patrocínio! Além de corajoso o elenco é, sem dúvida, a
causa maior do trabalho que literalmente, acaba sendo a oração, confessório e
festa dos envolvidxs nesta experiência catártica transformadora! Sem teorizar,
o que há para se ver e acontecer depende unicamente dele! Não podia deixar de
mencionar a presença da mulher em cena, representada por uma única performer do
sexo feminino, Camilla Ferreira, que entra para mudar o rumo da prosa e direcionar o nosso olhar!
(Tá vendo como é difícil falar sem falar demais?!)
Nesta punheta pós gozo deixo aqui as observações ou linhas
de fuga teóricas para só apreciar este acontecimento visceral, visual e
corajoso na terra Sampã, como diz o pessoal do Oficina. Numa crescente onda
careta, conservadora e capitalista no país, Anatomia
do Fauno, de sua forma, se configura num protesto dos corpos desse tempo!
Há tanto brigamos por igualdade, liberdade e arte e pouco fazemos! Que sejamos
mais politizados na defesa daquilo que acreditamos!
Preciso ver novamente o trabalho e deixar as amarras em casa,
pois este sátiro que vos escreve também vem matando o seu fauno para tentar
sobreviver na capital das oportunidades. Por isso a necessidade de uma
experiência que possa manumitir a nossa ancestralidade e rito, junto aquilo que acreditamos, se faz urgente e necessário, a cada dia!
E como tudo na vida acaba, a Matrix chama de volta a Nave Xuxa os seus ciborgues tripulantes, numa espécie de “deus ex machina gay contemporânea",
causando em nós, um coito interrompido como numa trepada rápida marcada por
aplicativo ou a sensação da busca por alguém que nunca chega e nunca acaba, e
num Strike a Pose finale, somem todxs, de
repente, no ar. Beijinho, beijinho, tchau, tchau!!
Vida longa ao(s) Fauno(s)! Que dessa experiência cada um tire
o seu prazer, culpa ou libertação e continue a se formar nas relações com
outrem, nos afetos, no amor, no sexo, que se juntam numa amálgama a nós criar, diariamente!
Merda, Evoé e Àse! Só a arte salva!
PS: As imagens desbundes que ilustram este texto são do fauno
fotógrafo Hélio Beltrânio.
Serviço:
Anatomia do Fauno está em cartaz na SP Escola de Teatro –
Sede Roosevelt — Sala R1
De 9 de abril a 16 de maio. Sábados às 23h e domingos às 19h. Duração: 100 min. Classificação: 18 anos. R$ 40
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