sexta-feira, 27 de novembro de 2015

FELICIDADE CLANDESTINA: MISTÉRIOS GOZOSOS DO OFICINA É PURA POESIA AOS SENTIDOS E PRAZERES! BORA GOZAR?!

FELICIDADE CLANDESTINA: MISTÉRIOS GOZOSOS DO OFICINA É PURA POESIA AOS SENTIDOS E PRAZERES! BORA GOZAR?!

E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me. 
E por que haverias de querer… (Hilda Hilst)
Estreou semana passada, dia 20 de Novembro, no Dia da Consciência Negra, o espetáculo Mistérios Gozosos, do Teatro Oficina. Zé Celso revisita Oswald e Mistérios no século XXI. Mistérios foi montado pelo Oficina em 1995, e hoje, em meio a tanta caretice nossa de cada dia, vem como um Desbunde de orgasmos múltiplos na nossa cara do sol de uma pseudoliberdade para tudo!

Não, não quero fazer um texto descritivo ou histórico sobre a relevância desta obra e nem do trabalho único do Oficina, ou de todos os atravessamentos que nos compõe, implicados nesta obra; quero falar das sensações vivenciadas nesse puteiro sagrado das artes!


Como analisar uma trepada? Uns avaliam o tempo que ela dura, outros as preliminares bem feitas, alguns, como eu, admiram o ritual da conquista e a preparação para o ato, já os mais ousados, medem o tamanho dos órgãos, gemidos e quantidade de gritos, sussurros e fluidos expelidos... Junta tudo isso, amplie e poderá chegar um pouco perto das sensações que Mistérios oferece ao público/cliente, por alguns ducados, em mais um dia de função.

O Oficina abre as pernas e nos oferece imagens e sensações fortes, a começar pela cena prólogo de abertura totalmente sensorial, literalmente na lama. Os atores tiram seus pudores e roupas e se jogam nela, viscosa, pegajosa, viva, o que é um preludio do que vem por aí...

Entram elas, as meninas! A entrada das santas putas, numa saudação quase sabática a energia vital feminina, ora deusa pagã, ora Padilha, num círculo de energia para um novo dia é de uma plástica e força impressionantes, como as próprias putas, que são as donas da cena e do espetáculo, orgiásticamente! Naquele Banquete e cardápio há putas para todos os gostos, branquinha, negra, trans, puta brava, puta romântica: gente como a gente!

Caluniaste o meu corpo
ao longo dos teus gestos
sem medida
Desde a palavra exacta
do meu sexo
e soletraste-me puta
      Puta
      Puta
Angustiosamente erótica
abri-me em coxas
e penetrei-te na minha fauna aquática
      Grito marinho
      a escorrer nas algas
      do meu ventre
      Puta
      Puta.
Grito erótico (Manuela Amaral)

Nas atuações gente nova desfilando na pista! Rostos bonitos, corpos em dia! Neste mercado do gozo, os olhos se vão dessa vez para Glauber Amaral, como seu Olavo, que está tão intenso e pleno em cena como um quadro de Deus e o Diabo na terra do Sol, de outro Glauber arretado! O Protagonista masculino é dono do espetáculo!



Já as putas, Puta que pariu!!! Um grupo distinto e diverso! Vale a pena apreciar as relações em que estão envolvidas e a comunidade que criam. Quem bica quem, quem gosta de quem, quem cuida de quem, é um espetáculo à parte observar a construção das atrizes nos seus subtextos gerando cenas e situações. Destaque para a puta mágica de Joana Medeiros que mete medo, quase uma dona do Bordel. Quando eu crescer quero atingir a plenitude dessa bacante que nos oferece, a cada construção, o quanto ela, puta da arte teatral, se transmuta! Vale cada nota colocada na calcinha! Bravo! Laroyê! 



Além de Joana, Sylvia Prado depois de uma primeira e forte construção de Neusa Sueli, volta ao puteiro como Lurdz, puta mais "requintada", paramentada, fina e mascarada. Como um corpo daquele pode ser tão lindo e desgastado como o de Neusa Sueli? Sylvia Prado é Sylvia Prado, meu amorrrr!! Não resisti ao trocadilho e acho que minha Puta-sem-Nome está tomando a minha mão nesta escrita punheta da lembrança! Lurdz é esperta, assim como a puta Rosa, Rosa puta de Danielle Rosa (que visual e cabelos são aqueles, menina, uau!) a corifeia Rosa das putas, consegue ir se desmontando ao longo da peça, desgastar de toda sua beleza conquistense e nos mostrar uma construção de Mangue, plena e viva na derrocada do batente! Lindo! Me lembrou Os Miseráveis, Perfume, naquelas relações desgastes e reais. Puta Dani! Laroyê! Só podia ser da Bahia, meu rei, e para você, benigno que sou, o poema oportuno que se segue:

Um homem do mundo me perguntou:
o que você pensa do sexo?
Uma das maravilhas da criação eu respondi.
Ele ficou atrapalhado, porque confunde as coisas
e esperava que eu dissesse maldição,
só porque antes lhe confiara:
o destino do homem é a santidade.
A mulher que me perguntou cheia de ódio:
você raspa lá? Perguntou sorrindo,
achando que assim melhor me assassinava.
Magníficos são o cálice e a vara que ele contém,
peludo ou não.
Santo, santo, santo é o amor que vem de Deus,
não porque uso luva ou navalha.
Que pode contra ele o excremento?
Mesmo a rosa, que pode a seu favor?
Se “cobre a multidão dos pecados e é benigno,
como a morte duro, como o inferno tenaz”,
descansa em teu amor, que bem estás.
Entrevista (Adélia Prado)


Sim, continuando com o gozo, quer dizer a fruição, não posso deixar de falar do cuidado da produção, do programa à entrada para a peça, que você só descobrirá ao ir! Ainda no elenco a integridade musicalizada de Letícia Coura e a força capitulesca de Camila Mota seduzem a plateia fascinada, que dá boas vindas a Wallace Ruy numa construção permeada de verossimilhança e traquejo para quem estreia no terreiro do Oficina! A revelação de sua personagem vem mais adiante e lá se entende porque um ator/atriz, bacante ou artista se faz!! Um texto faca, potente dito por alguém transmutado de poder e beleza que vive e passa pela experiência no corpo e na vida (o que sempre digo e defendo). Zé Celso é um bruxo e sabe o que faz ao escolher seu elenco! Toque de Midas! Gozei irradiando todo corpo! Saudade de Cláudia Wonder batizada também nesse terreiro. A vida não é uma encenação! Temos que fugir dos códigos, tarjas e definições que nos aprisionam!

Anjos seduzem-se: nunca ou a matar.
Puxa-o só para dentro de casa e mete-
-Lhe a língua na boca e os dedos sem frete
Por baixo da saia até se molhar
Vira-o contra a parede, ergue-lhe a saia
E fode-o. Se gemer, algo crispado
Segura-o bem, fá-lo vir-se em dobrado
P’ra que do choque no fim te não caia.
Exorta-o a que agite bem o cu
Manda-o tocar-te os guizos atrevido
Diz que ousar na queda lhe é permitido
Desde que entre o céu e a terra flutue 
Mas não o olhes na cara enquanto fodes
E as asas, rapaz, não lhas amarrotes.
Da sedução dos anjos (Bertolt Brecht)

Agora pensar que a peça só fala de putaria, michê, sexo está muito enganadx!
A trilha é uma obra prima de José Celso Martinez Corrêa e José Miguel Wisnik! Valei-me Nossa Senhora! Quanta lindeza! É muita música poesia o tempo todo! Como elxs conseguem?! Numa das cenas mais emblemáticas, num duo que arrepia o cabelo daquilo que você pensou, puxado por Denise Assunção e Céllia Nascimento, duas divas negras potentes e inspiradas que agregam uma qualidade soul excepcional a encenação, faz qualquer cristão ou homofóbico mais duro, cair em lágrimas! Catarse e gozo total! Ali, todxs tiramos as máscaras e viramos uma poesia humana, gente de verdade, carne, osso, vísceras, sexo, alma! Impossível não buscar explicação em suas conexões com Foucault, Marquês de Sade, Hilda Hilst, Jesus...  mas já adianto: nem Freud explica!

Na lama final encaramos todas as conexões com a realidade ali, frente aquela obra de arte! 
Tentar definir Mistérios é o mesmo que tentar definir o sexo, a vida! Cada um(x) vê de sua forma, com suas preferencias e formação. Temos que passar pela experiência, sem o preconceito ampliado do nosso século careta, heteronormativo, judaico cristão, machista, misógino, capitalista.

Numa sociedade em crise onde a lama da corrupção ou a lama marrom invadem a vida, temos que revitalizar os rituais possíveis da nossa rotina e cotidiano. Na era dos aplicativos modernos em celulares, para o sexo casual e fácil, devemos nos alimentar daquilo que religamos e acreditamos. Alimentar a alma, não só o corpo! Sexo sagrado e puto! Tem como separar?! Como a poesia de Oswald eu quero é gozar de plenitude e arte, lembrando que todxs buscamos o prazer na vida, seja no sexo, na arte, no casamento, na comida... Onde você busca seu prazer irrevelável? “Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.” Salve Nelson Rodrigues! Tá vendo como todxs somos iguais as putas ali do palco?


Então venha se deliciar dessa experiência catártica e ver aqueles atores e atrizes em cena, pois só elxs são capazes de tirar as nossas máscaras para esse deleite gozoso! Mostrem seus Mistérios, seu jogo de cintura, mostra a sua cara! Tirem na soleira de entrada todas as amarras! Coloquem a pulseirinha da balada ou da promessa religiosa e vivenciem plenamente! O cardápio está aberto! A arte é gozosa, não limitadora! Liberte-se!

Espero gozar mais uma vez com os misteriosos desta arena eletrônica, vivenciando outra viagem, pois como todo baiano, o nosso prazer é intenso, sem frescuras, natural e necessário, como a arte / vida! Que venham outras estreias diárias, no Oficina nada é igual! Longa vida aos Mistérios! Vamos gozar?! Gozemo-nus! Amém! Evoé! Laroyê!

Não basta um grande amor
            para fazer poemas.
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
            que o amor da gente.
O grande amante é aquele que silente
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.
Uma coisa é a letra,
e outra o ato,
            – quem toma uma por outra
               confunde e mente.
Arte-final (Affonso Romano de Sant’Anna)


Massumi, Danielle Rosa, eu e Alora na estreia gozosa!
Várias gerações do teatro conquistense e baiano perpassadas por mim. Evoé!!

As fotos que ilustram esta postagem, exceto a última,  são da sempre inspirada Jennifer Glaas.

SERVIÇO:
TEMPORADA:
Mistérios Gozósos fica em cartaz no Teatro Oficina de 20 de novembro a 20 de dezembro de 2015, sempre às sextas (21h), sábados (21h) e domingos (19h); sessões extras nos dias 23/12 (às 14h30), 25/12 (Natal, às 21h) e 31/12 (Reveillon, às 21h). 
Em 2016: De 02 a 25 de janeiro, com sessões somente aos sábados (21h) e domingos (19h); sessões extras nos dias 11/01 (segunda, às 21h, no aniversário de Oswald de Andrade) e no dia 25/01 (segunda, às 19h, no aniversário de SP).

FICHA TéCNICA MISTéRIOS GOZóSOS 2015


Céu d´Astros Mistérios Gozósos
Dramaturgia a partir de O santeiro do Mangue, de Oswald de Andrade, numa coprodução do Teat®o Oficina Uzyna Uzona y da Universidade Antropófaga, com patrocínio da Petrobras.
Dramaturgia y direção: José Celso Martinez Corrêa
Conselheira poeta: Catherine Hirsch
Direção musical: Felipe Botelho
Trilha sonora original: José Celso Martinez Corrêa, José Miguel Wisnik y ala de compositores da Cia Teat®o Oficina Uzyna Uzona
Atuadores Cia Teat®o Oficina Uzyna Uzona y Universidade Antropófaga:
Ayla Alencar – Puta do mangue
Camila Mota – Deuzólinda
Céllia Nascimento – Puta Celeste Pomba Gira
Clarisse Johansson – Eduléia menina, Puta Mestra Sylvia la Turquia
Danielle Rosa – Rosa, polaca cor de merda cheirosa do mangue
Denise Assunção – Lulu Vapor
Felipe Velozo – São Roque, Primeira testemunha, Freguês, Bancada evangélica
Glauber Amaral – Seu Olavo
Igor Phelipe – Nossa Senhora Aparecida, Segunda testemunha, Autoridade, Anjo, Freguês, Bandaca evangélica, Agrimensor
Joana Medeiros – Maria Mágica, Madame Bovary
Leon Oliveira – Freguês do ônibus do mangue, Menino deus, Criancinha, Criancinha mendiga
Letícia Coura – Sara a Mulher de Jerusalém, Puta Sarah Juliette, Anjo do Corcovado
Lucas Andrade – Guia de Boné, Maroca a Louca
Lucas Rangel – Motorista que vai pro Mangue, São Expedito, Policial, Motorista segurança, Arcanjo
Luiz Felipe Lucas – Santo Onofre, Dandi engomado, Navá, Lord Bowie Byron
Madalena Bernardes – Zulmira, Mulher de Jerusalém
Marcelo Drummond – Jesus das Comidas
Mariana de Moraes – Eduléia
Roderick Himeros – Anjo Serafim, São Sebastião
Sergio Siviero – São Francisco, Comendador do mangue
Sylvia Prado – Lurdz, a Paulista
Tony Reis – Michê Macho Sarado do Puteiro do Mangue, Santo Antônio
Vera Barreto Leite – Madame La Garde, Etherna Puta Matriz
Wallace Ruy – Puta Leona e Bolsacaro Infeliciana da Unha
Zé Celso – Poeta da Margem
Banda Oficina:
Carina Iglecias (percussão)
Felipe Botelho (direção musical, baixo e sintetizador)
Gustavo Lemos (teclado, eletrônicos, espaço sonoro)
Ito Alves (percussão)
Sebastián Díaz Canto (guitarra)
Corografia: Daniel Kairoz
Arquitetura Cênica: Carila Matzenbacher y Marília Gallmeister
Equipe criação arquitetura cênica Universidade antropófaga:Clarissa Morgenroth y Ricardo Ambus
Objetos cênicos: Ricardo Costa (São Jorge, adereço agrimensor y adereço corcovado)
Cenotecnia y maquinaria: José Dahora
Direção de Cena: Otto Barros
Contrarregra: Lucas Cruz
Figurinos y adereços: Gabriela Campos
Equipe criação figurinos y adereços Universidade Antropófaga:Camila Valones, Fernanda Taddei , Junior Santana y Marcela Lupiano
Modelistas: Enrique Casas y Tandara Hoffmann
Costureiros: Juan Arias y Rolando L. Chuyma Pachuri
Camareira: Cida Melo
Visagismo: Denise Borro
Maquiagem: Elaine Ferreira da Silva
Iluminação y desenho de luz: Luana Della Crist
Assistente de iluminação y dramaturgia de luz: Pedro Felizes
Operador de foco móvel y dramaturgia de luz: Danilo Oliver
Consultoria de luz y montagem: Dede Ferreira
Cinema ao vivo:
Igor Marotti (diretor de fotografia, câmera)
Pedro Salim (corte de mesa, video mapping)
Ayume Oliveira (câmera)
Tradução: Lestranj y Maria Bitarello
Comunicação: Acauã Sol, Beto Mettig, Camila Mota y Igor Marotti
Comunicação Universidade Antropófaga: Brenda Amaral, Cafira Zoé, Juliana Pithon, Lestranj y Maria Bitarello
Assessoria de imprensa: Beto Mettig
Estrategistas do projeto Oswaldianas – Teato na cidade seca sobre rios: Anderson Puchetti, Camila Mota, Carila Matzenbacher, Letícia Coura, Marília Gallmeister, Marcelo Drummond, Roderick Himeros y Sylvia Prado
Fotografia: Jennifer Glass
Imagens, ilustrações: Igor Marotti (capa) y Lestranj
Som: Anders Rinaldi
Microfonista: Felipe Gatti
Preparação vocal: Letícia Coura y Madalena Bernardes
Yoga: João Carvalho
Diretor de produção: Anderson Puchetti
Assistente de produção: Ederson Barroso
Arquivo: Thaís Sandri

Administração: Carlos Domingues