GLAUBERIANDO A ODISSEIA DE CACILDA!
Teatro
Oficina, Vitória da Conquista, memórias e arte
que valem a pena religar e
compartilhar #!
Para
Dani Rosa e Massumi
Material de Divulgação- Página Virtual do Oficina |
Tive o prazer de
acompanhar a Odisseia de Cacilda Becker, encenada neste ano, pelo Teatro
Oficina em São Paulo. Agora na reta final com Cacilda !!!!! (cinco exclamações)
- A Rainha Decapitada, mais uma surpresa: todos os mares levam ao Oficina e
mais uma rosa de Conquista abarcou para encher de poesia e sons os palcos
sagrados de Zé Celso.
Falo agora de Felipe Massumi, artista da nova geração
conquistense que voa nos teatros de Sampa.
Felipe Massumi- Foto acervo pessoal |
Graças a Dionísio, ele fora iniciado
no teatro conquistense no processo do espetáculo popular: Uma Andorinha só não faz....
Uma adaptação, catingueira e sertaneja do Grupo Caçuá de Teatro para o texto: O
Gato Malhado e a Andorinha Sinhá de Jorge Amado.
Material de Divulgação do Espetáculo. Caçuá 2007 |
Neste trabalho, que ganhou um
edital na Bahia para montagens de pequeno porte, (não entendi até hoje este termo,
e tem montagem de porte menor e maior?!) Felipe Massumi, ou Mastrume, além de tocar,
atuou e participou da composição musical, criando junto conosco, a música tema
para este espetáculo que circulou palcos e ruas no interior e na capital
baiana.
Massumi agora faz
companhia a outra joia do sertão baiano, a atriz conquistense Daniele Rosa, já
conhecida dos paulistanos, e que também, já comungou com o Caçuá nas terras
mongoiós.
Auto da Conquista- 2000- Vitória da Conquista-BA Grupo de Teatro da Uesb / Grupo Caçuá de Teatro |
Dani Rosa e suas facetas em Cacilda!!!!! A Rainha Decapitada. Fotos Eduardo Oliva |
Ambos artistas sertanejos
e nordestinos estão inteiros nessa temporada do Oficina, e assim como reflete a
Odisseia de Cacilda, compõe um retrato da historia do teatro do nosso país.
Nesse trabalho, o que
mais me impressionou foi ver o quanto o xamânico e incansável Zé Celso Martinez
consegue transpor para a cena tantos elementos e discussões que nos tocam e são
pertinentes até hoje.
A cuidadosa produção dessa
labuta fica clara logo no inicio, desde a composição e zelo com figurino, a
vários elementos da cena dessa odisseia, que dramaturgicamente se renovam a
cada encenação ou se fazem presentes das mais variadas formas, como por exemplo,
a presença do cavalo animal, que sempre aparece nas encenações de Cacilda e no
Zé. Dessa vez o resultado equino, além de estético e funcional impressiona numa
bonita composição cenográfica, sem mencionar outros recursos poéticos que
balançam pelas nossas cabeças, embalando-nos nessa viagem! Me prolongaria neste
texto só falando dessa dramaturgia do Oficina sem cansar, mas nesse canto do
bode não dá só para falar, tem que se viver e comungar desse teatro-vida que Zé
Celso propõe.
Material de Divulgação- Página Virtual do Oficina |
É notório a influência
do cinema nesta encenação, salve Glauber, Dani e Massumi, a perceber, logo de
imediato, pela tabela de cores, na luz e no figurino. Nada é posto por acaso!
As imagens são um desbunde para cineasta nenhum botar defeito, desde o recurso
da tela transparente com sombras Salvadordaliences, à entradas e saídas de
cenas fabulosas e simples, como a troca da personagem de Cacilda entre as
atrizes Sylvia Prado e Camila Mota, num jogo-cordão-umbigo com uma fita
vermelha; ao véu cauda negra engolido pelo subterrâneo de Perséfone, sem
esquecer da gran entrada da Dama das
Camélias. UAU!!! Meu Deus!!!
Outro momento marcante,
e sem duvida, emocionante, é o fim do primeiro ato que imediatamente me trouxe
outra memória.
Em 1997-1998 participei
das oficinas e montagem do trabalho: O ASSASSINATO DO ANÃO DO CARALHO GRANDE,
texto do saudoso Plínio Marcos, dirigido pelo querido Marco Antônio Rodrigues, num
projeto da Oficina Cultural Oswald de Andrade.
Material de Divulgação- Acervo pessoal |
Esse trabalho percorreu festivais de teatro e cidades do interior em SP,
ganhando vários prêmios, incluindo o Premio Mambembe de Melhor Espetáculo e
Direção em 97, coincidentemente, Zé Celso estava em cartaz também e ganhou o
Mambembe de Melhor ator pelo espetáculo “Ela”. O Anão mudou definitivamente a
minha trajetória como trabalhador das artes da cena e minhas loucuras pelo teatro e
ainda é muito especial para muita gente! Em pleno século XX o Anão fora
censurado, e justamente na cidade de Plínio, em Santos, quando iriamos
apresentar. Imagine toda a história de Plinio Marcos e ainda em 98 sendo
censurado na sua própria cidade! Diante do impasse, conseguimos apresentar o
trabalho no Teatro Municipal de Santos!
Eram trinta e seis atores em cena
contando a história da cidade e do circo Atlas numa farsa musical cheia de cor
e formas, com banda ao vivo, globo da morte, trapézio e um caixão de madeira
mega pesado que eu carregava em cena junto aos colegas atores- nunca vou
esquecer! Nesse dia ao fim do primeiro
ato, assim como o primeiro de ato de Cacilda, ouviam-se os gritos da plateia de
Bravo, Bravíssimo!! Foi inesquecível! No Anão eram eu e a atriz Rose Bispo os únicos
baianos na trupe, e muitas idas e voltas para Conquista semanalmente num buzú para
apresentar em SP. Oh, Tempo bom! Quanta coragem,
Benigno!
O Assassinato do Anão. Foto do acervo pessoal |
Em Cacilda!!!!! naquele
final de ato apoteótico pude me conectar imediatamente a este episódio e lembrar
que a nossa historia fica gravada nos nossos extratos e vida muito mais que em
livros, teses ou dissertações acadêmicas. Aliás, esta empreitada do Zé deveria
ser vista por todos os estudantes acadêmicos de teatro do nosso país, pois onde
se fala e cita muito, falta alma, calos, entrega e organicidade.
O trabalho do Oficina,
que come antropofagicamente toda a tecnologia moderna é, sobretudo, um trabalho
de ator. Esse estado de atuação que o Zé propõe, um estado de energia presente
de corpo, da voz e da alma do cavalo, menos interpretativo, textocentrista ou declamatório,
se faz forte, festivo e dramático como vê nesta odisseia cacildica, como eles
dizem. A atuação trágica de Sylvia Prado como Cacilda Antígona é
estarrecedora e coloca a plateia a indagar e congelar em êxtase brechtiano. Oxe, e em Brecht tem êxtase?! Pra você ver....
Antígona é para mim um
dos textos mais fortes e Zé, numa adaptação e criação moderna, faz da nossa mártir
grega uma voz aos holocaustos contemporâneos, das vozes das mulheres antígones do
nosso tempo. Indescritível!
Joana Medeiros (Tônia Carrero) e Camila Mota (Cacilda Becker)
em Cacilda!!!!! A Rainha Decapitada Foto Cícero Bezerra. Página Virtual do Oficina |
Nesse trabalho o elenco
continua forte, sobretudo com a presença irretocável da atriz carioca convidada
Joana Medeiros que faz a Tônia Carreiro, numa performance totalmente entregue,
além de algumas caras novas que se aventuram na eira de ser um ator do Oficina,
o que não é nada fácil e nem para qualquer ator!
Danielle Rosa, sem
dúvida, é a revelação do Oficina nos últimos tempos! (Matéria no Portal R7 Danielle-rosa-o-furacao-sereno-do-teatro-oficina/),
Em todos os trabalhos,
desde que estreou ( me desculpe se errar as datas) com Macumba Antropófaga, 2011-2012; Acordes, 2012-2013 e até
Bacantes, 2012 na Bélgica e em Portugal, batizaram literalmente esta baiana no
terreiro do Bixiga. É impossível tirar o olho dela em cena, pois incorpora este
estado de encenação- interpretação do Oficina e sempre está plena, em tudo! O
Oficina ganha uma atriz formada pela academia, mas calejada pelo trabalho de teatro
de grupo no interior baiano! Na Odisseia
de Cacilda impossível não citar sua aparição como sereia do TBC (Cacilda!!!
Glória no TBC y 68 AquiAgora) e “Entre quatro paredes” (Cacilda!!!! A Fábrica
de Cinema & Teatro) numa sequência de cena porradão de um teatro puro e
bem feito num triângulo com Sylvia Prado e Glauber Amaral.
Dani Rosa em Cacilda!!! foto de Jennifer Glass e em Cacilda !!!!! foto de Diogo Souza |
Agora em Cacilda!!!!! A
Rainha Decapitada, Rosa continua solar e na pele de uma mãe consegue dar a carga
exata, sem perder sua beleza e intensidade. Tony Reis, outro baiano querido e camaleônico,
mostra suas facetas escrachadas e sérias com a mesma facilidade que troca de
peruca ou aplique.
Foto de Eduardo Oliva-
créditos: @duoliva
|
Outro aspecto relevante,
sobretudo para aqueles que pleiteiam seguir carreira no teatro, é perceber toda
a coesão do trabalho de grupo do Oficina, que permite dar espaço para o outro
em cada e/ou novo espetáculo. Trabalho
constante e difícil ao ego dos atores que estão acostumados a significar a cena
apenas com bifes de textos. Na didática dramatúrgica do Zé, não há estrelas no
Oficina, há focos e espaços para todos os dilatados e iluminados cavalos nesta
arena transcendental, e seu metro, técnica e disciplina é cada um quem faz e
zela, num ato-oração diário do hyporrites
que sabe e conhece as facetas políticas e artísticas do seu ofício, além da
ribalta e do foco.
Não poderia deixar de
falar da trilha sonora, que nesse trabalho foi marcante. Cenas inteiras
solfejadas numa música quase atonal entre o thelo de Massumi; a percussão
inspirada de Carina Iglecias- que voz e beleza, menina; o piano acalentador de
Guilano Ferrari, sem esquecer do Dj Jean Carlos e o cavaquinho da também atriz
e cantora Letícia Coura. Desbunde surrealista mais uma vez! Viagem, catarse e
reflexão.
Sylvia Prado em Cacilda!!!!! Massumi e seu tchelo ao fundo Foto da página virtual do Teatro Oficina |
E por falar e catarse e
reflexão, a cena de Antígona Cacilda e seu desfecho é o ápice desta encenação.
Em tempos contemporâneos
onde o fazer teatral é cada vez mais desvalorizado e equivocado, o Teatro
Oficina mantem a chave de produção acionada a mil, encenando e criando três trabalhos
epopeicos até agora, no meio do ano, o que só pode ser um milagre frente a inúmeras
dificuldades que enfrentamos.
Num país onde ser artista é moda, celebridade ou
motivo torpe para o ócio ou a nenhum trabalho de qualidade, a odisseia de Cacilda
vem mostrar nesse século louco e midiático, a importância das memórias vivas,
de conhecermos a nossa história e as contribuições daqueles, que de fato, fizeram
algo pela arte e teatro no nosso país.
Aliás, nosso país não é só São Paulo e Rio de
Janeiro, como querem nos enfiar goela abaixo, é Nordeste, é Bahia, é Rio Grande
do Sul; é o Imbuaça, é o Galpão, é a Tribo de Atuadores Ói
Nóis Aqui Traveiz, é Clowns de Shakespeare, é o Caçuá... todos reflexos
teatrais espalhados pelo Brasil, e que em maior ou menor instancia, contribuem
para a historia desse nosso teatro brasileiro, multicultural e miscigenado.
Material de Divulgação- Temporada Entre a Cruz... na Bahia´ Premio Jurema Pena- acervo Caçuá de Teatro |
Um amigo artista
perguntou-me, semana passada, pelas redes sociais, o que era arte libertária
para mim, sem pensar e pestanejar respondi-postei: é a Odisseia sobre Cacilda Becker no Teatro Oficina em São Paulo, sem dúvidas! E acrescentaria : por tudo que representa para o teatro
brasileiro de ontem, hoje e sempre.
Espero ainda como
sátiro catingueiro perdido-achado nesta terra Sampã poder ainda comungar do
banquete que o Oficina e o Zé propõem para religar as minhas origens teatrais e
renascer nesse palco sagrado cibernético.
É urgente que todos
vejam este trabalho que fica em cartaz, até setembro, aos sábados e domingos,
ás 19h e conferir aos olhos vivos como ele comunga com todas as gerações e
idades, dentro e fora da caixa, na festa e no ritual, no drama e na hashtag
da mídia on line, mostrando a
força de uma arte que só se faz viva e presente no corpo, na alma, no sangue E
NA MEMÓRIA de quem está e quer ficar vivo- nesse ano já foram tantos embora...
Trazer a história para a cena e para esta nova geração conhecer o que foi feito é um compromisso enorme, pois em terra de beijinho no ombro, google e celebridades oportunistas e burras, quem fez e ainda faz história é rei e rainha, e nunca serão decapitados!
Trazer a história para a cena e para esta nova geração conhecer o que foi feito é um compromisso enorme, pois em terra de beijinho no ombro, google e celebridades oportunistas e burras, quem fez e ainda faz história é rei e rainha, e nunca serão decapitados!
Ter o prazer de compartilhar
e religar com obras e trabalhos como este, faz-se necessário para a vida, como
elixir para o nosso tempo caduco, egoísta, capital e cabedal.
Bravo, bravíssimo!!!!!
Evoé e merda sempre, Oficina!
Evoé Dani Rosa,
Massumi, Tony Reis, Beto Mettig, baianos conterrâneos!
Saravá e Laroyê, Zé
Celso!!!
Andemos!!
Marcelo Benigno, agosto de 2014, mês de aniversário do Caçuá!
Opo Baba N’lawa,
replica da escultura de Mestre Didi
no Rio Vermelho em
Salvador-BA
Foto: M.A.Luz
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