terça-feira, 11 de fevereiro de 2025
QUEM MATOU PADRE PINTO? OU PEDI PRA PARAR, PAROU! As 14 estações da Via-crúcis do espetáculo baiano em Essipê
QUEM MATOU PADRE PINTO? OU PEDI PRA PARAR, PAROU!
As 14 estações da Via-crúcis do espetáculo baiano em Essipê
Fui assistir ao espetáculo teatral: “Padre Pinto – a narrativa (re)inventada” protagonizado pelo brilhante ator baiano Ricardo Bittencourt, com dramaturgia e direção do meu querido e eterno professor Luiz Marfuz, nessa semana no Sesc Pompeia em São Paulo e sai com algumas reflexões.
O espetáculo é bonito, colorido, alegre, tecnicamente amparado, com cenas marcantes e emocionantes (como a quebra da quarta parede em que o ator pede licença para emprestar o seu cavalo para interpretar o protagonista. De arrepiar! Xocotô Berulô) ainda mais para um baiano como eu, que conheci o personagem real e a Lapinha, mas se torna em alguns momentos politicamente correto.
Ao procurar na internet sobre o trabalho vemos como os veículos de comunicação e criticas começam falando dele: “Após se vestir de Oxum – orixá feminino do candomblé para celebrar uma missa e dançar dentro da igreja em 2006, Padre Pinto (1947 – 2019) atrai a ira dos conservadores e a atenção da mídia nacional....” Não, Padre Pinto não foi só isso e quem é baiano ou soteropolitano sabe muito bem.
1ª Estação: Ator convidado é condenado
Essa necessidade de resumir a trajetória de alguém na intenção de diminuí-la é tão peculiar e colonialista como o modismo (ou o mercado) de convidar atores televisivos para elencos de peças de teatro. Ano passado, Reynaldo Gianecchini ao estrear o Musical "Priscilla, a Rainha do Deserto" não deu conta do recado. Foi corajoso ao comprometer sua fama de galã e se jogou, mas fazer uma drag queen não é pra qualquer um(a).
Afinal, vamos assistir a uma peça ou Musical só para ver o tal ator/ atriz televisivo?
Em Padre Pinto Sergio Marone cai na mesma armadilha que Gianecchini. Duro em cena, voz extremamente impostada, não veste a roupa da personagem. Marfuz, o diretor, tinha que ter levado Marone para fazer laboratório de pelo um mês em Salvador para ele entender do que a peça fala. Ir à Lapinha, ao Cortejo Afro, passar no Ancora do Marujo na Carlos Gomes ou nos antigos bares da Ladeira da Montanha para o ator soltar um pouco esse quadril. Teatro não é televisão, assim como Oxum não é Nossa Senhora da Guia!
2ª Estação: Ricardo Bittencourt carrega o espetáculo
Ricardo incorpora o Padre Pinto, literalmente. Brilhante trabalho de ator que merece prêmios nesse ano, seguido pelo seu Canjerê interpretado magnificamente pelo ator Victor Rosa, que joga e se amálgama o tempo todo com Ricardo, que é um monstro sagrado/profano do teatro. (Difícil missão, mas ele consegue). Outros destaques são as baianas Agatha Matos, sempre exuberante como legitima baiana conhecedora do chão que pisa; Rita Brandi, numa entrega total e com toda sua baianidade real traz força ao elenco de atores baianos, que credita originalidade ao trabalho e ao elenco do Oficina. Do Oficina a surpresa foi o ator Gabriel Frossard que se transmuta em tantos personagens e nuances para um jovem ator. Sylvia Prado e Mariano Matos já são cobras criadas do Uzyna Uzona e deixam seus rastos como Oxumarê por onde passam, exibindo maestria e refinamento em suas construções, assim como o baiano Tony Reis, que poderia estar mais baiano que nunca, né, painho?!
4ª Estação: O espetáculo encontra a sua Mãe
A parte técnica do trabalho é impecável! Figurinos, luz, cenografia, trilha sonora, projeções, vídeo. Com essa mãe abraçando o filho, com todo esse aparato e amor, não é difícil fazer um trabalho que não cresça os olhos da plateia. Poderia ser um monólogo com Ricardo, pois ele sozinho não precisa de todos esses recursos! O teatro é a arte do ator, não esqueçam!
O coração na cenografia é lindo e se transforma numa cena forte.
Em alguns momentos os vídeos parecem uma campanha do Governo do Estado da Bahia para visitar Salvador, aliás, a Bahia não é só Salvador, a Bahia é composta por 417 Municípios divididos em 28 territórios de identidade. A Regionalização Territórios de Identidade foi adotada pela Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia (SEPLAN) através da Lei nº 10.705, de 14 de novembro de 2007, quando lançou o Plano Plurianual 2008-2011, e contava à época com 26 Territórios de Identidade que abarcavam os 417 municípios. (SEI – Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia: Estado da Bahia.). Então, muita calma nessa hora em achar que na Bahia só é festa, litoral, axé e Carnaval.. Opaió?!
E nessa Identidade Cultural que é muitas vezes desconhecida é que mora a força de uma Cultura Popular, que está lá na Lapinha, onde o Padre Pinto revitalizou a Festa de Reis. Momentos lindos da montagem que pega ponga na cultura popular. Quais manifestações da Cultura Popular esse público ou elenco conhece e as tem no seu corpo/arte/discurso?!
O tom politicamente correto do espetáculo incomoda. O próprio Zé Celso se estivesse por aqui falaria para Marfuz: - Marfuz, tá muito careta! Padre Pinto era transgressão política, não só fechação! Pois Zé!
Na cena final onde o Emissário é encurralado pelo elenco, por exemplo, deveria ser é devorado como as Bacantes fizeram com Caetano, mas talvez as cláusulas do ator televisivo não permitam e nem ele também. Saudades de Eduardo Pelizzari que quando passou pelo Oficina escancarou em talento se desnudando de corpo e alma.
14ª Estação: Padre Pinto é Sepultado e o rebobinar da peça real
Ao final do segundo ato depois de todo mundo rir a morrer de uma tragédia real, o Padre é morto. Morto. Daquela forma. Daquele jeito. Morto. Quem matou Padre Pinto? A Igreja Católica? O Vaticano? O Emissário? O grupo de fiéis conservadores? Eu, você, nós?!
Por mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa, o Padre “ressuscita” no final da peça. Padre Pinto não “ressuscitaria” no rebobinar da fita falando que não seria esquecido, ele pediria justiça, evocaria Xangô para que sua memória fosse um alerta e não só uma lembrança festiva.
Marfuz tenta em alguns momentos fazer algum questionamento político, como na cena inspirada no espetáculo: “Cuida Bem de Mim”, (1996) de sua autoria junto a Filinto Coelho, que ele dirigiu no Liceu de Artes e Ofícios, em Salvador, onde discutia direitos com jovens estudantes numa escola pública, onde o elenco grita palavras e diretos de ordem.
Após o intervalo, o espetáculo poderia enfatizar mais sobre essa morte tão violenta que tantos ainda hoje sofrem.
As pessoas confundem o poder da festa, da alegria e do Brincante. Trabalho com isso vivo disso, e Padre Pinto é só um exemplo da sociedade em que estamos inseridos. Claro, que na Bahia é diferente. Não é uma peça de Teatro Documental e autobiográfico da Janaina Leite.
A responsabilidade da Produção agora é levar esse trabalho para Salvador, pois tem o dever ético de ser apresentado lá, e de preferencia de graça pro povo da Lapinha ver!
A arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo. Vladimir Maiakóvski.
Sem panem et circenses!
Viva o Padre Pinto!
Saudades dele e do Zé.
A peça continua em cartaz até o dia 23 de fevereiro de 2025
De quinta a sábado às 20h.
Domingos e feriados às 17h.
Vale a pena conferir!
PS: Os créditos das fotografias que estão nesta postagem são de Luis Ushirobira @lushirobira.
A Via Sacra, também conhecida como Via Crucis, é uma prática cristã especialmente comum durante a Quaresma que recria o caminho que Jesus percorreu carregando a Cruz desde o Pretório de Pilatos até o Calvário, onde foi crucificado. Essa jornada é marcada por estações que representam eventos significativos desse percurso, convidando os fiéis a refletir sobre o sofrimento e a redenção através da paixão de Cristo. A Via Sacra é composta por 14 estações, cada uma representando um episódio específico da paixão de Cristo. Essas estações incluem passagens bíblicas, tradições da Igreja e elementos simbólicos que ajudam os fiéis a meditar sobre o significado da morte e ressurreição de Jesus
As outras estações da Via Sacra só saberá quem for ao espetaculo e conseguir a redenção dos seus pecados. Amém!
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