Esta semana vi uma postagem da querida Rainha Loulou sobre a noite de Salvador. Em tempos de Parada, "Talento Marujo", visita da filósofa norte-americana Judith Butter em terras soteropolitanas e brasileiras, "midialização" na internet, redes sociais, exposições e falações sobre o tema, entre outros, me lembrei de um texto que escrevi em 2002. Até editei-o para mandar a G Magazine do qual era colaborador. Depois da escrita e da sua fruição tive algumas constatações e eis aqui a primeira:
Antes e Depois de usar Boticário. rs. |
Por isso, respeito, admiro e tiro o chapéu para os profissionais da área.
Relendo o texto antigo,( minha geração já é considerada antiga por esta,rs), tive também saudade de Salvador dos anos 2000, da sua noite e de tantos profissionais e artistas performativos e transformistas daquela época.
Minha Mortícia criada para uma Festa à Fantasia e virou Personagem de Repertório de Trabalho, até hoje! |
Hoje ficou fácil (por inúmeros fatores e razões) fazer drag ou tentar querer ser a nova sensação fechativa do momento... Ser drag para alguns é só por um carão, bater cabelo com a música do momento, usar uns looks e makes descolados e só. Gosto mesmo é da velha guarda, daqueles que ralaram muito e construíram o chão para esta garotada "Ru Paul's Drag Race" se espelhar! Gosto dos artistas timbrados pela estrada e noites de janela, do seu discurso e engajamento com sua arte, classe e comunidade. Amo o sentimento, a entrega e irmandade, ainda expressados, que na classe artística há muito se perdeu...
Madame Bovary, outro personagem que me segue como Teacher in Role! Na Foto, em divulgação no campus de Conquista, do Grupo de Teatro da UESB, com alguns participantes em 1999. |
Acho que uma pesquisa sobre esses artistas daria uma importante homenagem para tantos que passaram e brilharam os palcos, bares e ruas de Salvador e um registro histórico oportuno! Adoraria ver um painel, daquele icônico que fica no Âncora do Marujo, com a imagem e história daqueles que passaram por lá e introduziram e abriram caminhos para tantos.
"A Professora", quase um alter ego, em mais uma das suas divertidas Formações, Capacitações e Aulas para Professores. |
" A Professora" ( ao centro), nas suas Capacitações e Oficinas para Educadores. |
Lucineide, Jussicreide Concebida Sem Pecado Original Gonçalves Santos em evento sobre a Diversidade. Brinca com ela, não! |
Enquanto a nostalgia domingueira não passa, posto o texto de 2002 e sinto a mesma sensação, ainda!
Bom domingo a todos(as)!! E hoje tem show?! Tem sim, senhor(a)!!
Madame Bovary em Capacitação para Educadores de Arte- 2014. |
PS: Ilustrei esta postagem com algumas intervenções minhas na área. Não reparem na qualidade das fotos e nem nas abordagens, pois como sou das antigas, não tínhamos a facilidade que temos hoje, mas vale pelo registro e memória.
SOLIDÃO, PURPURINA E CACHÊ-
Uma escapadinha na noite gay de Salvador
Mais um final de semana em Salvador. Poderia
está mais animado e eufórico, afinal estamos na Bahia, meu rei, a cidade da
alegria! Só que as circunstâncias e opções para o lazer soteropolitano
tornam-se cada vez mais previsíveis e limitadas.
Se você gosta de ficar em casa,
vendo vídeos, estudando, lendo um livro ou se prefere fazer um programa
cultural, não faltam opções, porém, se você quer cair na noite para extravasar,
as opções tornam-se claramente óbvias.
Você pode ir às boates conhecidas, (com seus assíduos
frequentadores e seus tipos marcantes) ou se preferir, ir para alguns poucos
bares coloridos da cidade, ou então, para a velha Carlos Gomes, onde
“tudo é permitido”. Só que poucos admitem conhecê-la e/ou frequenta-la.
Entro no bar “Âncora do
Marujo” situado na Carlos Gomes, e que mantêm uma difícil e
plausível missão: a de ainda incentivar shows de atores transformistas, drags e
travestis, que alegram as noites com suas performances inusitadas. Entretanto,
o que é mais inusitado são os cachês que estes artistas recebem, que
certamente, não pagam a produção dos seus trabalhos tampouco, o talento de cada
um. Imagine toda aquela produção, as roupas, sapatos, acessórios e bijuterias
que caracterizam as personagens glamourosas?!
Como ator, sei que é difícil fazer um show drag, com dublagem,
irreverência e humor. Leva-se tempo, ensaios, pesquisa, pois o público, além de
exigente, é atento a qualquer deslize sendo este, motivo para fazer uma grande
e gostosa chorria. Às vezes, a interferência do público, com estes
comentários, soa agressiva e atrapalha, não só o artista, mas também, o
público.
Continuo no bar e vejo muita gente bonita e alegre,
conversando, namorando, tornando aquele espaço transcendental e efêmero. A
música que toca sugere um clima romântico envolvido no mundo de divas famosas,
chiques e neuróticas. A imagem feminina é cultuada, satirizada e até mesmo,
comicamente representada, não deixando para trás, o padrão americanizado da
diva pop star.
Tomo mais uma cerveja. Continuo a conversar com meus
amigos sobre a solidão em
Salvador.
O show acaba. O ator transformista convida o público para
prestigiá-lo logo mais, na boate próxima.
Minutos depois, ainda com restos de
maquiagem no rosto, deixa o camarim carregando intermináveis e gigantes
mochilas. Seu olhar revela um cansaço nostálgico de ainda um trabalho por vir.
Sua imagem, seguindo no asfalto, representa também, os anseios de uma classe
que continua acreditando no belo, nas possibilidades e no show, e este, como a
vida, não pode parar, apesar dos cachês, das condições de trabalho e da
solidão, típica dos que querem compartilhar experiências recíprocas que
constroem histórias transcendentais e legítimas como esta que acabo de narrar.
Salvador- BA. Escrito em meados de 2002.
Marcelo Benigno é ator, professor e diretor teatral.