A ARTE DO TEATRO (E DO CINEMA) É DO ATOR, PRONTO FALEI!!!
Cine em Cena- Um
sopro de Osíris na Terra do Sol midiática
Assisti neste final de semana ao
Projeto Cine em Cena, fruto da disciplina Direção de Arte 2: Direção de Atores
no curso de Bacharelado em Cinema e Audiovisual do VI Semestre da UESB/
Conquista, sob a orientação da Professora Adriana Amorim. O projeto consiste,
entre outras coisas, em um aluno dirigir uma cena teatral com atores, para num
próximo momento, transforma-la num roteiro audiovisual. Uma deliciosa e não menos trabalhosa aventura
pelo mundo da imagem, dos signos, do teatro e da atuação. Como o cerne da
questão é o trabalho de direção e ator me senti bastante à vontade para
comentar e compartilhar.
Quando pensamos em cinema,
direção de atores, dramaturgia, roteiro, estamos falando de uma área bastante
próxima do teatro. Na Escola de Teatro lembro das aulas memoráveis de
Dramaturgia da querida mestra Cleise Mendes vasculhando todos os Doc Comparatos
possíveis e nos ensinado, definitivamente, sobre o óbvio na escrita e criação
dramatúrgica, sem falar no trabalho de ator, nos elementos do teatro e toda sua
história espalhada em muitas disciplinas fundamentais e importantes durante o
curso. A área artística e teatral é imensa com um fluxograma grande e
importante, o que mostra o quão sério é pisar num palco ou mostrar seu carão
numa imagem na tela.
O Projeto Cine em Cena aconteceu
neste final de semana no Teatro Carlos Jeovah, um teatrinho repleto de memórias
para este sátiro dionisíaco ou para os mais velhos cênicos da terra das rosas.
Toda vez que volto a um teatro que atuei, em instantes o véu da memória se cai,
trazendo à tona todo um momento vivido e revivido nos nossos extratos e afetos.
Adriana Amorim e seu elenco no Cine em Cena- Foto de Rayza Lélis |
A Programação da mostra foi
dividida entre o Teatro Carlos Jeovah, na quinta e sexta feira, (23 e 24/04) e
no Teatro Glauber Rocha, na Uesb, na terça-feira e quarta-feira, (28 e 29/04).
O desafio era encenar ou adaptar clássicos da literatura teatral, o que não é
uma tarefa fácil para profissionais, tampouco para estudantes em formação.
Entre toda a programação, o que
ficou nítido e claro, neste experimento cênico, é que os trabalhos mais bem-sucedidos, a meu ver, foram, indiscutivelmente, os feitos por atores e diretores inspirados
e técnicos! Atores inspirados e técnicos são aqueles experienciados pelos anos
de janela ou que nascem de uma paixão inexplicável pela arte da
desmedida e do metro. Atuar, estar em cena é ligar muito mais que seus pontos
de ouro e closes, é se jogar com uma presença/verdade que nem a tela consegue camuflar, é estar vivo e inteiro sem cortes ou interrupção, ou se é ou não!
No primeiro dia, na quinta-feira,
foram nove cenas apresentadas entre textos teatrais clássicos como Hamlet,
Esperando Godot, Valsa nº 6, Um Bonde Chamado Desejo, Auto da Compadecida. Nessa
encenação ficou evidente, em algumas cenas, um tom demasiadamente verborrágico,
os diretores focaram sua atenção num teatro com força na palavra, bem textocentrista,
o que exigiria de seus interpretes um maior cuidado com a articulação dos
textos tão consagrados e inesquecíveis, que precisam ser bem-ditos e entendidos
por todos. Houve um excesso de teatro declamatório, sem marcas e movimentação específicas
para os atores em cena, o que prejudicou o trabalho de alguns interpretes.
Outro dado foi uma opção realista-
naturalista para algumas cenas, o que limitou ou expôs as partes fracas de cada
uma. Se optamos por esta convenção a interpretação e movimentação dos atores, os detalhes de cenário, figurino, maquiagem
devem ser impecáveis, pois não dá ver uma Blanche vestida de época e seu partner
com calça jeans e camiseta... Ou então, adereços para a cena ou objetos muitas
vezes mal utilizados e sem razão, como uma espadinha, ou adaga na mão do Hamlet, a
uma garrafa que quebrava e derramava, sujando a cena.
É claro e notório que nem todos
participantes eram atores com experiência, o grupo era formado de não atores
também, mas não se trata disso, quando um diretor faz um roteiro deve trabalhar
com o que tem e transformar toda e qualquer dificuldade a seu favor, o que
exemplifica a atuação do dia seguinte de uma cena de Senhora dos Afogados. É
comum tanto no teatro, quanto no cinema, o trabalho com não-atores com resultados
surpreendentes!
Assim, a CENA: Por que existem tantos olhos no mundo? Da OBRA ORIGINAL: Valsa nº 6, de Nelson
Rodrigues, dirigida e adaptada por Rafael Oliveira e com atuação da multifacetada
Érica Daniela, foi o grande destaque da noite!
Erica estava inspirada e como uma verdadeira atriz soube valorizar um bom
texto! O diretor desenhou uma movimentação e elementos de cena que possibilitaram
a atriz explorar este universo tripartido desse personagem tão instigante que é
Sonia.
A partir daí as cenas se desenvolveram
de forma normal.
Algo que me incomodou muito, em
se tratando de um projeto de formação, de plateia ou alunos, foi um ar meio de
festa de fim de ano de escola. Ali, ao me ver, (sou muito chato nesse sentido, assumo) é um exercício cênico, com uma
plateia aberta, não um espetáculo para convidados, mas o público animado e
cheio de colegas ou amigos transbordou em excesso nas palmas e gritos, o que
realmente se tornou desnecessário, sobretudo, para um teatro tão pequeno e
intimista.
Outra coisa chata também foi que
a porta do teatro, a de entrada do palco, ficou aberta, então, a todo momento pessoas
iam ao banheiro, acendiam a luz que entrava no palco atrapalhando a cena e a
concentração dos atores e plateia. É claro que esses detalhes são pequenos, mas
na nossa profissão um detalhe pode ser tudo ou nada, ainda mais no reino da
imagem, do signo, do som e de cenas que tudo pode significar.
Fora isso, e para um chato
teatral de galochas como eu, tudo lindo! E vamos para sexta-feira!
Na sexta foram 12 cenas. Dentre
os textos Romeu e Julieta, Escola de Mulheres, Senhora dos Afogados, Entre
quatro paredes, O Santo Inquérito, entre outros. Só “porradão” para usar uma
linguagem bem peculiar a esta galera!
A presença marcante do coro em "Édipo Gay". Foto de Maria Andreia Santos |
Nesse dia havia mais cenas e os mesmos
problemas da quinta se repetiram e/ou aumentaram, até porque as últimas cenas
e adaptações de Édipo Rei foram voltadas para um humor fácil com camuflagem LGBTTIS
e que fez muita gente rir. Do ponto de vista dramatúrgico foi uma ótima e inovada investida! Acho fabuloso colocarmos toda a criatividade, engajamento e
coragem para tocarmos em temas necessários, seja de diversidade, gênero, credo, etnia para gerar uma discussão,
porém, algumas abordagens necessitam maior arcabouço. Não é só subir num
salto e fazer gírias: A LOKA, ADOOOGO, TA BOA, que transformam um ator num
personagem caricato, gay ou midiático. Toda atuação deve ser verdadeira e com o
máximo de sinceridade possível, com verdade ou verossimilhança, se bem que para
uma atuação queer estes conceitos
podem se transformar em outros bem mais adequados. Assim, não consegui me
diverti ou rir com uma caricatura mal executada de um personagem gay ou de um
ator transformista montado, aliás, os atores transformistas dão um banho em
qualquer ator de academia realista, pois se apoderam do seu discurso arte/vida
e não de uma encenação apenas.
Dicesar, cavalo de Dimmy Kieer, com seu bordão característico que virou a marca Adooogo Make Up |
Não é fácil representar, seja outro sexo, outra
identidade, outra idade ou personagens estereotipados ou arquétipos! Exige
muito trabalho, pesquisa, ensaios para não cair num clichê previsível. Acho oportuno
poder comentar isso num projeto de experimentações (cênicas) onde o errar e
acertar é justamente o motivo para tal exercício dos envolvidos, afinal a arte,
o vídeo, a dança, o teatro são produtos
a serem consumidos, vivenciados e discutidos. Aí já é outra discussão...
Das adaptações de Édipo Rei,
feitas na sexta-feira, a mais próxima de um trabalho cênico e de direção foi a
CENA: Um bom Enigma, com DIREÇÃO e ADAPTAÇÃO de Álvaro Meneses e que no ELENCO
estavam Cleber Meira, Joadson Mulkannizzer e Yarle Ramalho, com atuações, time e sacadas boas. (A maquiagem e figurino
podem melhorar, né bee!) A última cena intitulada Édipo Gay também foi bem desenhada com destaque para a atuação de
um coro feminino, que roubou a cena, fora os excessos já comentados.
Cena: Um bom Enigma de Álvaro Meneses. Foto de Maria Andreia Santos |
Aliás, a mostra foi definitivamente
das mulheres, Érica Daniela, Monica Medina, Hannah Abnner, Izis Mueller ( que texto era aquele?!) Patrícia Chaves, Maria Andreia, disseram a que veio, salvo, a cena do Auto da Compadecida, composta só por dois intérpretes masculinos, que convenceu! Destaque também para a composição do figurino complementar dos Jecas, e tabela de cores usada. Aliás, o cuidado de algumas cenas com o figurino, caracterização e ambientação foi
notório para tentar contextualizar cada abordagem escolhida. Só não pode é
deixar de iluminar o rosto do ator ou da Julieta esquecida no balcão.
- Mas não tinha holofotes que chegassem lá,
Benigno, não tinha equipe e gente para ajudar na produção, não tinha, não tinha...
- podem justificar. Mas alguém usou brilhantemente um castiçal com velas numa
cena que foi super funcional e iluminaria a face da Capuleto apaixonada. Aliás,
minha gente, a arte do teatro é a arte do não
tinha mesmo, então, temos que pensar e resolver tudo mesmo! Ai Iami Rebouças eu também só queria ser atriz e acabou! Produção
é coisa do cão!!!
Ah, antes que eu me esqueça, não posso deixar de mencionar os
diretores que usaram o recurso da música ao vivo, em cena. De um lado entrar em
cena com um instrumento musical e só usá-lo num único momento é pouco, acho que o recurso musical poderia ser mais explorado e incorporado na dramaturgia, tanto para a cena de
Valsa Nº 6, dirigida por Rafael Oliveira; quanto a poética e despretensiosa
cena dirigida por Ana Julia Ribas. Duas cenas bem distintas causadoras de
sensações diferentes! Os macaubenses Ana Julia e Rafael Oliveira criaram e criarão
poéticas imagens ainda por vir, talvez o segredo esteja escondido nas memórias
de Macaúbas, do sertão da poesia que nunca seca! Tá explicado! Aguardem!
Poesia brejeira na cena: Mal, me dissestes de tu meu bem! de Ana Júlia Ribas. Foto de Maria Andreia Santos |
Agora o maior prazer da noite,
para mim, foi ver um texto forte como Senhora dos Afogados na atuação precisa e emocionante da querida
Monica Medina e da doce Hannah Abnner. Hannah fez com que voltasse o tempo e assistisse, ali na minha frente, a uma Adriana Amorim encenando Plínio Marcos na Escola Macunaíma em São Paulo. Profunda
catarse! Aí vocês podem falar e me questionar: Por que tanta força e presença
numa menina que não é dita ou declarada atriz?! Então...
Medina deu a força, contratempo e
textura a cena e como é lindo ver uma artista consciente e bela atuando e
jogando com uma atriz jovem! Para mim foi um presente ver esta cena por tudo
que ela simboliza para a história do teatro brasileiro e para a história do
teatro conquistense, feita de uma forma tão particular e nesse momento. Parabéns
as intérpretes e ao diretor Deoveki Silva! Emoção!
Como expectadores e atuadores
devemos primar para que a nossa arte não se perca só no produto mercadológico.
O ritual deve ser presente e renovado sempre, a experiência e a relação entre
cada parte do processo valorizada, para que a troca seja prazerosa, afetuosa e
transcendental. Se perdemos isso, perderemos a essência da arte ao meu ver, aí
podemos fazer outra coisa, outra profissão que não exija tanto a minúcia nos
detalhes, a pesquisa eterna, a poesia e o afeto nas relações. E existe alguma
profissão que não o tenha?!
Monica Medina e Hannah Abnner em Senhora dos Afogados. Sem comentários! Foto de Maria Andreia Santos |
Sou de uma geração de profissionais da
cena que não pesquisava no google e nem na internet, mas no suor do palco e da
rua, da pesquisa constante, do respeito pelo público e pela mensagem que
levamos!
Ser profissional das artes da cena ou do audiovisual hoje virou moda e todo
mundo é ator, performer, cineasta.... E nessa cidade do interior
catingueira e desvalida nos cabe uma moira maior, uma vocação política mais
forte que o glamour da cena ou da notícia midiática, para brigar por um
profissionalismo e políticas culturais, para que a arte assuma um caráter mais
presente e necessário na vida das pessoas dessa região ou de qualquer lugar!
Acho este projeto promissor e num
momento que Conquista vive uma eterna crise na área cultural, sem políticas
públicas, espaços e condições para seus artistas cênicos trabalharem com
dignidade sem a necessidade de evadirem para as grandes capitais. Projetos similares
de pesquisa e experimentação artística já movimentaram a região por aqui, como
o Dionísias Urbanas, do Grupo Caçuá
de Teatro, o Assim se Improvisa do
Pafatac e Chefinho Santos, a Roda do
Teatro na Praça, entre outros. O curso de cinema tem muito a contribuir e
valorizar a matéria prima que é o ator, pois num mercado onde a imagem quer ser
tudo, não necessariamente o ator, para alguns, será a melhor opção, podendo ser
substituído por uma animação computadorizada, desenhos, bonecos, sombras,
objetos...
Acervo Caçuá de Teatro no blog do MOVAI. Disponível em:[http://movimentomovai.blogspot.com.br/2011/03/ano-2002.html] |
Em São Paulo está uma febre de
cursos de Cinema e uma busca frenética por atores para a conclusão de
disciplinas ou tccs dos alunos. Existe um grupo de atores numa rede social que
diretores desesperados vem constantemente procurar e selecionar atores para
suas produções e trabalhos audiovisuais. Os anúncios são engraçados e revelam o
quanto tais diretores e “mídia audiovisual produtiva” valorizam os atores, pois
com verba para a locação de equipamentos e produção, esquecem a verba para os
seus atores e que sem eles, seus projetos não serão concluídos. Por que não vão
fazer filme de animação se não valorizam os atores?! Cada uma! Vai fazer uma
Oficina no Studio da Fatima Toledo para ver o quanto é e o que é bom!
Sou apaixonado por cinema e pelo
trabalho de direção e atuação junto a sétima e quinta arte, costuma- se falar
que no teatro a arte é do ator, e que no cinema, do diretor, mas discordo e
concordo com o que o meu saudoso e querido Plínio Marcos, com quem tive a honra
de trabalhar, disse num dos seus textos destinados aos atores: " Eu amo os atores que sabem que no
palco cada palavra e cada gesto são efêmeros e que nada registra nem documenta
sua grandeza. Amo os atores e por eles amo o teatro e sei que é por eles que o
teatro é eterno e que jamais será superado por qualquer arte que tenha que se
valer da técnica mecânica."
Meu Evoé e respeito a Adriana
Amorim, parceira de tantas histórias e encontros, e, que sem dúvidas, foi uma chegada festejada e necessária ao curso de Cinema da Uesb; a
Cristiano Martins, eterno resistente e a toda equipe desse projeto, principalmente aos ATORES e ATRIZES que emprestaram seu corpo, trabalho e alma para essas criações!
Vida longa
pela frente! Que o cinema aproxime a arte dos nossos corações, com atores insubstituíveis
e fundamentais nessa caatinga conquistense! Que a pesquisa e o aprimoramento
sejam constantes no nosso trabalho, não se perdendo do encontro e da relação com
o outro, que seguidos pelo afeto, pelo respeito e a gentileza tudo se constrói!
Merda e axé para nós, sempre!
mb
Cena do Filme Central do Brasil de Walter Salles. |