Queridos amigos conquistenses,
Para acalentar as discussões e questionamentos recentes na Cidade das Rosas, publico aqui um texto de 2001/2002 que reflete o momento que estamos revivendo, repassando, retransmitindo em nossas cabeças, histórias e memórias. Para bom entendedor meia palavra basta!
Tá registrado e ainda não esquecemos! Não esquecemos! Não esquecemos!
Fica a dica, memória de artista de teatro é difícil de apagar ou esquecer!
MOVAI- Movimento de Valorização do Artista do Interior!
Boa re-leitura!!
Bob Marley
RETROSPECTOS
CONQUISTENSES REGADOS A SIDRA, PANETONE E CICUTA*
Texto escrito e divulgado em 2002
Mais um ano se passou e com ele aquela sensação de
dever cumprido, de ter conseguido vencer mais uma etapa da vida, de ter passado
(ou perdido) de ano, ter consumido mais do que devia empolgado com o espírito
natalino, etc. etc, etc. O Especial de Fim de Ano da Globo foi um sucesso, o
Roberto cantou, a Ana Maria Braga chorou, tudo muito previsível para os normopatas
que se enquadram nos padrões éticos e morais da nossa sociedade. E enquanto
isso na Sala de Justiça, quer dizer, do lado de cá, a realidade está cada vez
mais fria e cruel.
Nossa cidade continua a mesma, com os mesmos problemas
e as mesmas soluções. Graças a Deus que eu não sou político, pois a ceia
natalina certamente estaria engasgada até hoje.
E o que mais marcou o ano de 2001 em Vitória da
Conquista? Se algum repórter desses de final de ano tivesse me perguntado,
responderia com um sorriso amarelo equilibrando meu triangulo no ponto de ouro
da câmera e diria sorrindo:
- Três coisas marcaram este ano!
A primeira delas foi quando artistas de teatro legitimamente
conquistenses invadiram uma “Sessão Especial sobre Cultura” na Câmara dos
Vereadores, entoando, num cortejo dionisíaco, ditirambos e reivindicações aos Césares
da nossa Roma, de pouco pão e nenhum circo, que atônitos pareciam nunca terem
visto uma performance de tal tipo. A arena questionava e fazia acusações
enquanto a culpa e abandono à cultura e arte conquistenses tornaram-se evidente
nos discursos inflamados e vãos do poder supremo. Até hoje espera-se soluções
daquele inusitado encontro que serviu para... serviu para quê mesmo? Falar o
óbvio? Escutar o previsível? Misturar arte e política?
A Segunda coisa ou fato marcante de 2001 foi ser
comparado a nada. Desculpe caro leitor, mas foi exatamente isso! Para se
entender melhor esse drama da vida real façamos uma parábola. Suponhamos que
vossa senhoria precisasse fazer uma operação muito delicada e que dela
dependesse a sua vida. Você não tem Plano de Saúde e está desesperado, a quem você
recorre? A um veterinário? A um açougueiro? Ou a um médico amigo? Tensão dramática
(...) É claro que a um médico e dos bons, com diploma e tudo, e que saiba
manejar muito bem o bisturi, senão você morre, vai dessa para a melhor, bate a
caçoleta...
Sinto informar, caro leitor, mas infelizmente você
morreu. (Tom fúnebre).
O que aconteceu? É simples: o açougueiro desceu à
dispensa, vestiu-se de médico com bisturi, touca e luva e zás... assassinou um
pobre inocente alegando necessidade de emprego. (Epílogo).
Esta história acontece com o artista de teatro todos
os dias aqui em Conquista. Aconteceu no “Natal da Cidade” promovido pela
Prefeitura, que por sinal foi muito bonito, legítimo, quando a comissão
organizadora do evento decidiu tirar o médico e colocar o açougueiro na
programação teatral do evento, programação esta remunerada e esclarecida num
edital aberto sem a exigência de um registro profissional sequer provisório dos
participantes. Ai a arte transforma-se em mais um enlatado a venda em qualquer
vendinha da cidade. O público presente pode maravilhar-se com uma apresentação
amadoresca, previsível e sem o brilho de um natal sertanejo e catingueiro que
vivemos. E essa não é a minha opinião. Nota-se que para a Programação Musical
exigiu a Carteira Profissional de Músico e porque não, a careira profissional
do ator e diretor teatral?!
Ser profissional em Conquista não basta, só serve
quando é para administrar cargos políticos ou coisa parecida, ou quando se é de
fora da cidade. E aqui todo mundo pode “operar”, até você caro leitor! Com um
ou dois cursos por correspondência ou algumas aulinhas com um açougueiro mais experiente,
você torna-se um Açougueiro de primeira, com prêmio e tudo!
Aqui, arte é só entretenimento ou trâmite político
para a divulgação e incentivo dos valores artísticos e culturais da nossa
cidade e região. CLAP, CLAP. CLAP!!!
Talvez eu não sirva para nada mesmo e meu currículo, junto
a minha formação acadêmica, ainda em curso, muito menos.
Cuidado, caro leitor! Os açougueiros estão soltos, e quando
não matam, roubam sua alma e sonhos, que é pior que a morte! E pior que a morte
também é vender sua própria alma. Mas ainda bem que dignidade não se compra.
Ufá!! (Será?!)
E a terceira e última coisa estupenda que me lembro foram
as palavras de um aluno do projeto “ARTE PARA A COMUNIDADE” o qual é gratuito,
feito inteiramente sem recurso e mantido pela iniciativa dos artistas
envolvidos. Ele me disse que o teatro o ensinou a ter esperança na vida e
confiança nele.
Essa imagem recordarei por todo o ano e espero que
essa esperança também seja encontrada no trabalho, na família, na igreja, e na
vida de cada um. Esperança que hoje não é mais verde, é branca de paz,
amadurecimento, transparência.
Chega de consumismo exacerbado no fim de ano! Abaixo
os panetones e árvores de Natal nevando num país tropical de acarajé e mandacaru!
Chega de inculturações desnecessárias e televisivas que escravizam o homem de
bem. Queremos respeito!
Só me resta agora, um brinde!
Do que mais lhe for merecido, sirva-se!
Avante 2002!!!!
Marcelo Benigno é ator, professor de teatro da UESB, e
estudante de Artes Cênicas na UFBA.
*Texto escrito e divulgado em 2002.